52 – Para perceber o patrimônio cultural edificado.

A expressão “patrimônio cultural” é referente a objetos materiais e imateriais. Receitas culinárias e modos de fazer exemplificam objetos imateriais. Pinturas, esculturas, arquiteturas e tecidos urbanos exemplificam objetos materiais. Há demais exemplos, sejam materiais ou imateriais. Todos, notadamente, possuem algum valor e/ou relevância cultural. Interpretações e compreensões relativas ao patrimônio cultural são passíveis de estudos, revisões, aprimoramentos, refinamentos, enriquecimentos.

Objetos arquitetônicos e espaços urbanos são passíveis de interpretações diferentes ao longo dos tempos. Podem ser, ao mesmo tempo, alvo de interpretações individuais distintas. Leite (1992, p. 01) pontua que “uma paisagem modificada pelo homem não é, (...), uma paisagem antinatural, mas uma paisagem cultural que deve atender tanto a critérios funcionais quanto estéticos.

Ao estudar textos que abrangem descrições e relatos sobre cidades da Antiguidade, Choay (1980, p. 59) observa que “a leitura dos clássicos permite que os humanistas da primeira Renascença italiana, já que estão intelectualmente preparados para tanto, reconstituam uma sociedade desaparecida, com suas instituições e seus espaços. Os textos os auxiliam a descobrir-lhes os vestígios espaciais; mas, inversamente, o testemunho desses vestígios atualiza o passado e confirma a fidelidade dos textos”. Dentre as características desses textos, têm-se (i) considerações do organismo urbano como uma totalidade; (ii) a descrição arqueológica desse organismo e (iii) a objetivação do espaço, focalizadamente arquitetônico ou urbano, ocasionada por essa descrição. Entendo, em linguajar raso, que fragmentos de arquiteturas da Antiguidade ensejam aprendizados sobre culturas e sociedades de outrora.

Ao estudar a perspectiva “dos humanistas-geógrafos” a qual “vem, por sua vez, a partir dos últimos anos do século XV, confirmar e acelerar o processo de objetivação do espaço urbano”, Choay (1980, p. 63) observa que “o olhar que (Américo) Vespúcio lança sobre o novo continente é, ou pretende ser, o olhar da ciência”, havendo ruptura perante a “abundante literatura de viagens anteriores cujos autores ou cediam sem crítica ao apelo do maravilhoso, ou projetavam sobre as sociedades visitadas suas estruturas culturais”. Percebo que o “olhar da ciência” é contraposto ao olhar que projeta sobre sociedades de outrora “estruturas culturais” de quem estuda essas sociedades. Ressalvo, porém, que esse “olhar da ciência” é passível de refinamentos, pois alguma subjetividade permanece ainda que métodos científicos se proponham a afastar tendenciosidades.

Ching e Eckler (2014, p. 44) percebem, uma vez considerado que a “arquitetura chinesa nunca sofreu mudanças radicais em seu vocabulário visual e formal”, a tendência de “vê-la como ligada à tradição”, o que “seria uma redução muito simplista” em vista de inovações ideológicas dedicadas à promoção da consideração da China como o centro do mundo pan-asiático. Entendo que tradições culturais são passíveis de evolução e que a manutenção de vocabulários visuais e formais não sustenta, por si, constatações de estagnação social e/ou cultural.

Hertzberger (1999, p. 110) observa a dominância de um “mecanismo de comportamento monocultural que governa nossa sociedade”, a qual é “institucionalizada e centralizada”, massificando, por exemplo, moradias. Da leitura dos escritos de Hertzberger (1991 p. 128-129), apreendo que ampliações edilícias, a fim de não caracterizarem o conjunto edilício como uma “colcha de retalhos”, podem ter identidades próprias suficientemente conclusivas em si sem que a identidade do conjunto seja distorcida.

Percebo que pode haver, em vista de objetos arquitetônicos e de espaços urbanos, aprendizados sobre culturas e sociedades. Além da massificação da construção de moradias, a estruturação de sistemas de mobilidade e a ausência desses sistemas condicionam comportamentos e modos de vida. A presença e a ausência de espaços de uso comum em adição ao sistema viário, como parques, praças e áreas verdes também condicionam. Tradições culturais não se confundem com estagnações culturais, podendo, ou devendo, haver convivência entre identidades diversificadas, “entre o antigo” e o “novo”.

 

Referências bibliográficas:

CHING, F. D. K., ECKLER, J. F.. Introdução à arquitetura. 1. ed.. Trad. Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman Editora, 2014. 421 p. Título original em inglês: Introduction to Architecture.

CHOAY, F.. A regra e o modelo: sobre a teoria da arquitectura e do urbanismo. 2 ed., 1980. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1985. 334 p. Título original em francês: La règle et le modèle: sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme.

HERTZBERGER, H.. Lições de Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students in Architecture.

LEITE, M. A. F. P.. Destruição ou desconstrução: questões da paisagem e tendências de regionalização. São Paulo, SP: Hucitec, 1994.

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