08 - Quando o ambiente construído se torna arquitetura.

O ambiente construído pode ser representado por objetos arquitetônicos e por elementos urbanísticos. Casas, edifícios verticais e galpões industriais exemplificam objetos arquitetônicos. Coretos, bancas de revistas, pistas de caminhada, pistas de skate exemplificam elementos urbanísticos. O ambiente construído pode ser destacadamente arquitetônico, ainda que urbanístico em certa medida. A recíproca é procedente.

Dentre a ementa referente à ação direta de inconstitucionalidade ADI 3.540-MC/DF (vide ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3/2/2006), são citadas 04 (quatro) qualificações do meio ambiente: meio ambiente natural; meio ambiente cultural, meio ambiente artificial (espaço urbano); meio ambiente laboral. Em brevíssima análise dessas qualificações, fica possível constatar que o meio ambiente artificial abrange objetos arquitetônicos e elementos urbanísticos. Esses objetos e esses elementos, todavia, participam do meio ambiente cultural e do meio ambiente laboral e, também, podem delinear o meio ambiente natural.

O meio ambiente natural e o meio ambiente artificial podem se entrelaçar. Avenidas ao redor de lagoas e ao longo de cursos d’água exemplificam entrelaçamentos assim como parques e áreas verdes circundados por bairros. A utilização de cavernas e cavidades rochosas, há milênios, como refúgio e habitações também exemplifica entrelaçamentos. Cavernas e cavidades rochosas não são ambientes construídos nem representam iconicamente o meio ambiente artificial. Ainda assim, pessoas conseguiram se instalar em reentrâncias e atribuir significados ao vazio, ao espaço encerrado pelas paredes, pelo teto e pelo chão. Retoricamente, expõe-se uma questão: cavernas e cavidades eram arquitetura?

A ocorrência de pinturas rupestres intensifica o sentido de utilização das cavernas e cavidades. Além do simples refúgio, o espaço encerrado pelo chão, por paredes e por tetos rochosos comportou práticas intelectualmente elaboradas de registros da realidade.

Em sintética apreensão de afirmações expostas por Zevi (1984), observa-se o seguinte: o caráter primordial da arquitetura é o espaço interior (ZEVI, 1984, p. 50) e o fator-chave de toda concepção espacial arquitetônica é o parâmetro humano (ZEVI, 1984, p. 49); as fachadas de um edifício, mesmo que belíssimas, constituem apenas um invólucro mural (ZEVI, 1984, p. 20); paredes separam o espaço exterior, ou urbanístico, do espaço interior, propriamente arquitetônico (ZEVI, 1984, p. 41); ainda assim, a experiência própria da arquitetura se estende pela cidade, por ruas, praças e becos (ZEVI, 1984, p. 25).

A ausência da participação de arquiteto(a)s e engenheiro(a)s civis na construção de casas e edifícios não torna essas casas e esses edifícios secundários no espaço urbano nem faz com que caracterizem ambientes construídos sem caracterizarem arquitetura. Casas em favelas materializadas ou não através da autoconstrução, casas em feudos e ocas possuem relevância arquitetônica e, mesmo, urbanística, pois providas de algum sentido cultural, histórico, existencial. Mesmo que, individualizadamente, cada casa apresente relevância pouco significativa, o conjunto dessas casas não fica impertinente.

O título do presente texto é passível de refinamentos: “quando, sob a perspectiva de um determinado autor, o ambiente construído passa a ser arquitetura”; “quando, em vista da cultura de um determinado local num determinado momento histórico, o ambiente construído caracterizou arquitetura”; ou mesmo, “quando o ambiente construído não caracteriza uma arquitetura”.

Uma determinada caverna adquiriu sentido existencial momentâneo perante algum grupo de pessoas. Não cabe generalizar e sustentar que toda e qualquer caverna caracterizou arquitetura. Casas pequenas são arquitetura. Casa na favela é arquitetura. Casa construída sem a participação de arquitetos(as) e de engenheiros(as) civis é arquitetura. Um veículo automotor de passeio não é arquitetura. Um motor-home, ou “casa-carro” em tradução livre, pode ser interpretado como um objeto arquitetônico. Veículos automotores e bicicletas podem ser interpretados como elementos urbanísticos, visto que demandam infraestrutura urbana viária. Uma “casa na árvore” pode ser arquitetura. Sob o olhar de uma criança provida de imaginação e bom ânimo, uma simples tábua disposta no meio da copa de uma árvore pode ser suficiente para o reconhecimento de que, ali, há uma “casa na árvore”, um ambiente de estar, brincar e existir. “A criança brinca, logo, existe”.


Referências bibliográficas:

ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3/2/2006.

ZEVI, B.. Saber ver a arquitetura. 6. Ed., 1984. Trad. Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de Oliveira: Martins Fontes, 2009. 286 p. Título original em italiano: Saper Vedere L’architettura.


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