05 - Arquitetura e Urbanismo: práticas multidisciplinares.
O caráter multidisciplinar da arquitetura e do urbanismo impulsiona arquitetos-urbanistas a perpassarem domínios de conhecimento distintos que, em certa medida, se entrelaçam. Economia (ALMEIDA, 1997, p. 23; VILLAÇA, 1999, p. 200-201), direito (CHOAY, 1980, p. 31; LIRA, 1997, p. 98), física (CHOAY, 1980, p. 17; CHING e ECKLER, 2014, p. 09), biologia (JACOBS, 1961, p. 482), medicina (CHOAY, 1980, p. 18) e geografia (ALMEIDA, 1997, p. 37; VILLAÇA, 1999, p. 200-201) são exemplos desses domínios.
Ao fazer alusão a “ordenamentos urbanos cuja racionalidade testemunha claramente uma reflexão específica”, Choay (1980, p. 17) afirma que “esses ordenamentos trazem, com efeito, a marca das especulações de legisladores, filósofos e médicos”, dependendo, também, de lógicas edilitárias elaboradas e de procedimentos técnicos embasados por conhecimentos de geometria e física. Choay (1980, p. 18) observa, além, que o tratado hipocrático “Do Ar, da Água e dos Lugares” abrange conhecimentos acerca dos critérios pertinentes à escolha dos sítios necessários aos assentamentos humanos. Essa autora observa que essa obra literária trata da edificação e da conformação do espaço em subordinação à disciplina “Medicina”.
Ao debater a organização das
cidades estadunidenses, Jacobs (1961, p. 477-481) discorre sobre métodos
analíticos empregados nas ciências biológicas. Especificamente, essa autora
considera que as cidades são “problemas de complexidade organizada”, mas não
“problemas de simplicidade elementar” nem “problemas de complexidade
desorganizada” (JACOBS, 1961, p. 482).
Zevi (1984, p. 56), ao
discorrer sobre critérios para a interpretação espacial pertinente à
compreensão de objetos arquitetônicos, observa a relevância de arquitetos
estudarem escultura. Esse autor sustenta que “(...) todo arquiteto deve ser um
pouco um escultor para poder transmitir, através do tratamento plástico do
invólucro mural e dos elementos decorativos, o prolongamento do tema espacial,
(...)”. Zevi (1984, p. 67), comparando objetos arquitetônicos gregos e romanos,
distingue o “sensível requinte dos escultores-arquitetos gregos” do “gênio dos
construtores-arquitetos, que é, no fundo, o gênio da arquitetura”.
Do Capítulo I do Livro I da
obra “Dez Livros sobre a Arquitetura”, elaborada pelo arquiteto romano
Vitruvius no século I a.C. e originalmente intitulada De Architectura Libri
Decem, consta trecho em que a multidisciplinariedade é explicitamente
reconhecida. De maneira específica, Vitruvius sustenta, em tradução livre, o
seguinte:
“Deixe-o
(a saber: o arquiteto) ser instruído, desenhista habilidoso, estudioso de
geometria, conhecedor de História, crítico de filosofias, familiarizado com a
música, detentor de algum saber de medicina, conhecedor de entendimentos
jurídicos e familiarizado com teorias e ideias relativas à astronomia”.
Almeida (1997, p. 26) relata
que, segundo Vitruvius, “o arquiteto deveria ser instrumentado com conhecimento
de vários ramos de estudo e tipos de aprendizagem”, sendo que esse conhecimento
multidisciplinar, organizado em níveis, não deveria ser profundo nem raso, mas
suficiente para subsidiar a concepção e o desenvolvimento de projetos.
Ao apresentar a 1º versão da
obra “Dez Livros sobre a Arquitetura” traduzida para o idioma português em
1998, Maria Helena Rua relata a ocorrência de “uma diferenciação entre
engenheiro e arquitecto” a qual não corresponde à “distinção actualmente considerada”.
Diferenças entre a linguagem e as formas de comunicação presentes no século I
a. C. e no século XX ensejam a ocorrência de significados distintos atribuídos
a uma mesma palavra. Especificamente, é exposto que o arquiteto era “um
engenheiro genial” que, além da técnica construtiva, conjugava demais
conhecimentos em prol de resultados surpreendentes, magníficos, memoráveis.
Em face da
multidisciplinariedade dos elementos a serem considerados por urbanistas,
arquitetos e arquitetas, o desenvolvimento de projetos arquitetônicos e de
projetos e planos urbanísticos abrange capacidades criativas e de síntese. Para
Jacobs (1961, p. 456), mais do que conhecer “serviços e técnicas específicas”,
é preciso conhecer profundamente os “lugares específicos” que compõem as
cidades. Essa autora, em sequência, afirma que “só super-homens conseguiriam
entender uma cidade grande por inteiro (...)”. Alternativamente aos
“super-homens”, considero os grupos profissionais multidisciplinares, grupos em
que geógrafos, advogados, engenheiros civis, pedagogos, assistentes sociais
etc. colaboram a fim de não serem desconsideradas as diversas nuances e faces
das dinâmicas presentes no cotidiano urbano. Em substituição aos seres humanos
providos de superpoderes ou altas habilidades, tem-se o trabalho em equipe,
quando, tomando-se emprestada a afirmação de Hertzberger (1991, p. 70) relativa
à concepção estrutural da Torre Eiffel, “o todo excede amplamente a soma das
partes”.
Referências
bibliográficas:
ALMEIDA, J. G. de. A formação
do arquiteto e a universidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Brasília, v. 78, p.22-56, jan/dez. 1997.
CHING, F. D. K., ECKLER, J.
F.. Introdução à arquitetura. 1. ed.. Trad. Alexandre Salvaterra. Porto
Alegre: Bookman Editora, 2014. 421 p. Título original em inglês: Introduction
to Architecture.
CHOAY, F.. A regra e o
modelo: sobre a teoria da arquitectura e do urbanismo. 2 ed., 1980. Trad.
Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1985. 334 p. Título original
em francês: La règle et le modèle: sur la théorie de l’architecture et de
l’urbanisme.
HERTZBERGER, H.. Lições de
Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP:
Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students
in Architecture.
JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1.
ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p.
Título original em inglês: The Death em
Life of Great Ameriacans Cities.
LIRA, R. P.. Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1997. 400p.
VILLAÇA, F. J. M.. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. IN O processo de urbanização no Brasil, São Paulo, SP. Ed. Universidade de São Paulo, 1999.
VITRUVIUS. Dez Livros de Arquitetura. Sec. I a.C.. Trad. Maria Helena Rua. R.B.M – Artes Gráficas, Lda., 1998. Título original em latim: De Architectura Libri Decem.
ZEVI, B.. Saber ver a
arquitetura. 6. ed., 1984. Trad. Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de
Oliveira. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2009. 286 p. Título original em
italiano: Saper Vedere L’architettura.