48 – Entre a esfera pública e a esfera privada: alguma função social nas ruas.
Enquanto espaços públicos,
ruas não se prestam unicamente à utilidade viária, ou seja, aos deslocamentos
de pedestres e veículos. As ruas podem comportar formas incontroversas de
mercado, se equiparando a praças e sendo “ruas de barracas”, “ruas de feiras”.
Hertzberger (1991, p. 14)
identifica a ocorrência de demarcações territoriais através de sequências de
gradações distintas de acessos a espaços arquitetônicos. Ressaltando que são
inadequados os termos “público” e “privado”, visto que há zonas intermediárias
em que há “áreas chamadas semiprivadas ou semipúblicas”, esse autor observa em
cidades do sul da Europa a aceitação coletiva de apropriações privadas
específicas de partes das ruas (HERTZBERGER, 1991, p.16). Notadamente, esse
autor se refere a essa aceitação como “uma expressão coletiva de simpatia” (ibidem).
Em relação às interações entre
o planejamento arquitetônico e o espaço público, Hertzberger (1991, p. 17)
observa que a presença recorrente de pessoas em espaços públicos, usando-os sob
viés circunstancialmente privado, reforça a percepção de terceiros acerca da
finalidade circunstancial e faticamente específica de partes desses espaços.
Para esse autor, “o caráter de cada área dependerá em grande parte de quem
determina o guarnecimento e o ordenamento do espaço, de quem está encarregado,
de quem zela e de quem é ou se sente responsável por ele” (HERTZBERGER, 1991,
p. 22).
Além das socializações
decorrentes das formas incontroversas de mercado, as ruas dão suporte a
socializações e a vivências relacionadas ao lazer e ao entretenimento simples.
Em pequenas cidades do estado de Minas Gerais, no Brasil, é possível encontrar
bancos informais dispostos sobre parte das calçadas. Tocos de madeira,
pedregulhos, tábuas assentadas sobre pedras e/ou tijolos empilhados são
exemplos. Não raro, esses bancos são materializados pelos moradores das casas
próximas, havendo percepções de que, embora em espaços públicos, a utilização
desses bancos cabe preferencialmente a esses moradores. A compreensão desse
lazer e desse entretenimento chega a seguir racionalizações bem-humoradas, pois
há moradores que expõem, dentre as justificativas para se assentarem nesses
bancos, falas como: “eu sento aqui para ver o movimento da rua”; “eu
sento para ver o tempo passar”.
Ruas não se limitam a serem
espaços para trânsito e passagem. Ruas podem abranger lugares onde pessoas se
reúnem, caracterizando espaços amistosos aos pedestres, ciclistas e afins. Além
da função utilitária, as ruas dão suporte a alguma função social. Entre a
esfera pública e a esfera privada, pode haver nuances “semiprivadas ou
semipúblicas”, temporárias, sazonais, improvisadas, informais, mas efetivamente
reais.
Referência bibliográfica:
HERTZBERGER, H.. Lições de
Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP:
Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students
in Architecture.