47 – Fachada Ativa: a cidade em favor dos pedestres.

As setorizações funcionais decorrentes do pensamento urbanístico moderno são passíveis de debates, pois não asseguram universalizadamente aos cidadãos acessibilidades aos serviços públicos, aos serviços privados, aos bens públicos de uso comum e às demais feições do que compõe o que é denominado “cidade”. Essas acessibilidades se distinguem da acessibilidade universal incontroversamente necessária e importante à promoção da dignidade dos cidadãos. Essas acessibilidades surgem quando há algum entrelaçamento de usos simultaneamente a transportes públicos eficientes. Ainda que serviços privados sejam baseados por exclusividades recorrentemente promovidas dentre dinâmicas econômicas capitalistas e sejam direcionados a segmentos da população, os prestadores desses serviços e os demais colaboradores direta ou indiretamente relacionados à prestação desses serviços precisam acessar, alcançar, tanger as localidades em que esses serviços privados são prestados.

Dentre as setorizações funcionais decorrentes do pensamento urbanístico moderno, percebo o empobrecimento da qualidade urbanística das vias. O protagonismo atribuído ao transporte individual motorizado, expresso pela priorização dos carros em detrimento de pedestres, ciclistas, etc., reduziu as vias a espaços somente dedicados à passagem, ao trânsito.

Observo que ruas e calçadas não devem, necessariamente, se limitar, a funções unicamente utilitárias. Ao sustentar a pertinência de “reconstruir o interior da cidade”, pois fragmentada por ações alinhadas com o urbanismo moderno, Hertzberger (1991, p. 78) cita a necessidade de “preocupação com a área da rua”, ou seja, “com o exterior dos edifícios”. Ao discorrer brevemente sobre a movimentação de pessoas pelas calçadas de cidades estadunidenses, Jacobs (1961, p. 387) observa que “em circunstâncias mais comuns, as pessoas são atraídas para as laterais porque aí, acho eu, é mais interessante. Enquanto andam, elas se entretêm em olhar – as vitrines, os prédios, umas às outras”. Essa autora dedica 03 (três) capítulos às implicações da conformação de calçadas, ressaltando contribuições em favor da segurança e da socialização (JACOBS, 1961, p. 29-96).

No Brasil, ao longo das décadas de 2010 e de 2020, legislações municipais têm trazido considerações acerca da “Fachada Ativa”, expressão referente, em definição genérica, às fachadas edilícias que dispõem de permeabilidade de acesso e de permeabilidade visual as quais propiciam entrelaçamentos das esferas pública e privada. Em linguajar raso, a rua adentra, em certa medida, imóveis privados e estes se estendem, em certa media, sobre a rua.

Percebo que fachadas ativas ensejam apropriações parciais de logradouros distintas da função elementarmente viária. As fachadas ativas contribuem para que trechos de ruas e avenidas sejam algo mais do que lugares de passagem. Sem afrontar diretamente o protagonismo atribuído ao transporte individual motorizado, as fachadas ativas contribuem para que os cenários urbanos venham a ser favoráveis aos pedestres.

 

Referências bibliográficas:

HERTZBERGER, H.. Lições de Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students in Architecture.

JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1. ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p. Título original em inglês: The Death em Life of Great Ameriacans Cities.

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