43 – Contribuições do parcelamento do solo em prol do ordenamento urbano.

Há contribuições do parcelamento do solo em prol do ordenamento urbano. A expressão “problemas urbanos” enseja a ampla abrangência do que, no meio urbano, pode ser discriminado e/ou delineado como “problemas”. Níveis de instrução e de renda insuficientemente desenvolvidos e níveis expressivos de criminalidade exemplificam problemas cujo entrelaçamento com o parcelamento do solo não é tão intenso ou inerente quanto insuficiências de mobilidade urbana e de acessibilidade, déficits habitacionais e ineficiências de sistemas de drenagem.

Em vista das disposições da Lei Federal 6766/1979, projetos de loteamentos devem ser precedidos por diretrizes referentes ao uso do solo e ao traçado das diversas parcelas de solo: lotes, vias, espaços livres de uso público, equipamentos urbanos e equipamentos comunitários. Embora essas disposições federais não enunciem a obrigatoriedade de projetos de desmembramentos serem precedidos por diretrizes, Administrações estaduais e municipais podem, no limite de suas respectivas competências, providenciar disposições normativas que pormenorizem essa obrigatoriedade. O aproveitamento de infraestruturais já existentes por desmembramentos não torna, necessariamente, impertinentes diretrizes prévias. A sistematização de diretrizes enseja, conjuntamente ao monitoramento da consolidação de parcelamentos do solo, práticas de planejamento que não seriam possíveis uma vez consideradas individualizadamente glebas. Mais do que premeditar a justaposição de espaços livres de uso público, equipamentos urbanos e equipamentos comunitários, a consideração do conjunto de terrenos a serem parcelados, ainda que pertencentes a proprietários distintos, permite manifestações das Administrações em prol da caracterização de loteamentos ao invés de desmembramentos. Ainda que se alegue que cabe aos proprietários de terrenos indivisos a decisão para que sejam realizados loteamentos ou desmembramentos, é inafastável a pertinência de manifestação das Administrações acerca da necessidade imediata e/ou futura de implantação de sistemas viários, incluindo-se, além de vias veiculares, as ciclovias/ciclofaixas e as vias de pedestres. Do contrário, restaria às Administrações a realização de desapropriações parciais e/ou totais de terrenos para que venham a ser implantadas, estendidas e/ou alargadas vias diversas, sejam arteriais e/ou coletoras, sejam ciclovias/ciclofaixas.

Ao discorrer sobre o planejamento urbano desenvolvido no Brasil durante o século XIX e o século XX, Monte-Mór (2007, p. 72) detecta considerações da cidade como “um elemento físico-espacial a ser tratado segundo uma visão formal-estética” ou como “um elemento integrado e decorrente do processo sócio-econômico-político”. Esse autor, em adição, se refere à cidade como “espaço precípuo da luta de classes (MONTE-MÓR, 2007, p. 74)”. Parcelamentos de solo são adições físico-espaciais às cidades, ocasionando implicações nos processos sócio-econômico-políticos já correntes nas cidades e, também, originando novos processos. As diretrizes para esses parcelamentos de solo podem ter caráter premeditativo e/ou remediativo. Reivindicações comunitárias, tanto quanto estimativas futuras e previsões feitas pelas Administrações relativamente a políticas setoriais, podem embasar essas diretrizes. Ainda que sejam passíveis de debates as quantidades mínimas de área destinadas à implantação de espaços livres de uso público, equipamentos urbanos e equipamentos comunitários, em face da quantidade de lotes residenciais a serem criados e/ou regularizados, a definição de diretrizes tende a contribuir positivamente para o ordenamento das cidades.

Zevi (1984, p. 222) expõe que estudos sobre as cidades e o território urbano devem ser subsidiados pela “definição clara do significado da arquitetura chamada ‘menor’, secundária, criada sem ajuda de arquitetos”. Ressalta-se que o emprego desse termo “menor” é passível de debates, pois a arquitetura criada sem a ajuda de arquitetos é, estima-se, mais numerosa que aquela criada com a ajuda de arquitetos. Não raro, são realizados, no Brasil, acréscimos edilícios às arquiteturas formalmente materializadas. Barracões, “puxados”, “puxadinhos”, “quartinhos”, espaços gourmet e quiosques são exemplos desses acréscimos. Observa-se que distinções entre a arquitetura criada com a ajuda de arquitetos e arquitetura sem a ajuda podem ficar subordinadas às distinções entre a arquitetura que compõe a cidade formalmente materializada e a cidade informalmente materializada. Através de analogia, estendo ao parcelamento do solo distinções entre os parcelamentos promovidos sob o amparo de arquitetos e engenheiros civis e os parcelamentos materializados sem participações desses profissionais.

É inafastável o reconhecimento de que as cidades abrangem parcelamentos de solo previamente planejados e parcelamentos de solo que não foram previamente planejados. Não convém, todavia, empregar as expressões “cidade ‘maior’” e “cidade ‘menor’” a fim de ser delineada a ausência de planejamento prévio. Fala-se, não raro, da “cidade oficial”, da “cidade formal” e da “cidade legal” em contraposição à “cidade clandestina”, “cidade informal” e, também, “cidade ilegal”. Políticas públicas vêm a ser desenvolvidas em atenção às precariedades e carências recorrentes no que vem a ser designado “cidade informal”. Os índices urbanísticos que balizam regularizações de parcelamentos do solo em zonas ou áreas de interesse social, inclusive, são diferenciados e/ou específicos, se comparados aos índices que balizam aprovações dos parcelamentos do solo premeditados.

Parcelar o solo urbano de maneira planejada viabiliza ordenamentos do solo e pode minimizar/evitar problemas de caráter ambiental e problemas de caráter social. Parcelamentos do solo, todavia, não asseguram por si a ausência de problemas e/ou a remediação de problemas previamente presentes. O labor das Administrações em prol do ordenamento do solo é imprescindível, pois as consequências tanto da materialização de parcelamentos do solo quanto da ausência desses parcelamentos ecoam por gerações.

 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Lei nº 6766, de 20 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 dez. 1979. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm >. Acesso em: 01 mai. 2025.

MONTE-MÓR, R. L. de M., Planejamento Urbano no Brasil: emergência e consolidação. In: LIMONAD, E. (Org.) Etc: espaço, tempo e crítica. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019.

ZEVI, B.. Saber ver a arquitetura. 1. ed., 1984. Trad. Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de Oliveira. 6. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2009. 286 p. Título original em italiano: Saper Vedere L’architettura.

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