06 - Compreensão e aprendizado arquitetônicos.
As atividades intelectuais
apresentam faces objetivas e faces subjetivas. Ao discorrer sobre o
planejamento urbano e a política habitacional que caracterizaram a modernidade
situada nas últimas décadas do século XIX e na primeira metade do século XX,
Jacobs (1961, p. 244) observa que “as formas de pensamento, não importa quão
objetivas aparentem ser, têm fundamentos e valores emocionais subjacentes”. Em
vista de afirmações de Hertzberger (1991), percebo que vivências enriquecem o
repertório de elementos que balizam pensamentos e o desenvolvimento de soluções
arquitetônicas.
Em entrevista, Podestá (2011)
expõe que o processo de aprendizagem sobre a arquitetura é cumulativo e não
ocorre “ao longo de um ou dois dias”. Esse arquiteto observa, também, que
pequenas e grandes ações durante a prática profissional permitem a melhoria da
compreensão das relações entre o objeto arquitetônico e o meio cultural
pré-existente e o meio cultural pós-existente.
Zevi (1984, p. 17), ao
discorrer sobre metodologias de análise e interpretação do espaço
arquitetônico, considera pertinente a “difusão de um método coerente para o
estudo espacial dos edifícios” e atribui responsabilidades pela “falta de
educação espacial” amplamente popularizada ao método representativo gráfico
recorrentemente utilizado por arquitetos. Perspectivas exteriores, perspectivas
interiores, plantas baixas, elevações/fachadas e seções longitudinais e/ou
transversais são projeções abstratas que, decompondo volumes arquitetônicos em
planos horizontais, não correspondem à realidade visível.
Zevi (1984, p. 41) pontua que “o método do resumo gráfico” é pertinente à educação arquitetônica, sendo que o processo crítico para a compreensão, por pessoas leigas, de uma planta arquitetônica deve ocorrer em sentido similar ao sentido percorrido pelos(as) arquitetos(as) para o desenvolvimento do objeto arquitetônico retratado por essa planta. Esse autor explicita, especificamente, que “(...) a síntese antecede a análise, a estrutura antecede os acabamentos, o espaço antecede as decorações (...)”. Lira (1997, p. 14), ao propor conceituação referente ao direito de superfície, alerta que “toda definição é perigosa. Deve primar pela síntese”. Observo que objetos arquitetônicos decorrem de definições sintéticas perante necessidades e situações próprias, específicas. Não raro, repenso e revisito sínteses após estudos, diálogos e análises, pois as sínteses podem ser refinadas pelos pormenores detectados em análises. Ching e Eckler (2014, p. 03) relatam que, durante o desenvolvimento de projetos arquitetônicos, deve-se continuamente “avançar e retroceder entre o ato criativo da arquitetura e a compreensão técnica de como uma edificação é construída”.
Considerando que a ordem de
enunciação das perguntas tem efeito sobre o teor das respostas, observo que a
alternância entre sínteses e análises pode facilitar o enriquecimento e a
consistência da compreensão arquitetônica. A opinião de pessoas entrevistadas,
em resposta a uma pergunta específica, pode ser influenciada pelos pensamentos
desenvolvidos por essas pessoas durante respostas a perguntas anteriores.
Drumond (2019, p. 105) relata exemplo da ocorrência dessa influência ao
pesquisar opiniões e percepções da população de Belo Horizonte, no Brasil, em
relação ao sistema de drenagem pluvial.
O termo “criticar” significa “julgar, apreciar” e, por extensão, ficou associado ao termo “censurar”. O ato de criticar é o ato de aprovar ou reprovar, mas não de condenar. Para que seja imparcial, a apreciação de obras literárias deve ocorrer sem ideias preconcebidas (KARDEC, p. 45, 1884). Em similitude, é pertinente que a apreciação de objetos arquitetônicos ocorra sem preconcepções que tendenciem conclusões aprobativas ou desaprobativas. Alfonsin (2012-2013) observa, em relação às políticas urbana e habitacional, que deve ser evitada a crítica que não indica alternativas e/ou soluções. Maricato (2000, p. 169), em relação à prática de políticas urbanas, expôe que "é mais fácil entrar em acordo sobre uma crítica que diz respeito à realidade já vivida e conhecida do que sobre uma proposta que diz respeito ao vir a ser".
Projeções abstratas que não correspondem à realidade visível exemplificam elementos que não propiciam a compreensão e o aprendizado em âmbito popular ou leigo, ainda que relevantes em âmbitos técnico e acadêmico. Abordagens interpretativas metodologicamente esquematizadas podem vir a afastar tendenciosidades decorrentes de preconceitos. Ocorre que a diversidade de situações ambientais, urbanísticas, socioeconômicas etc. afasta o eventual caráter rígido e absoluto dessas abordagens.
O aprendizado arquitetônico é
cumulativo e não ocorre abruptamente “ao longo de um ou dois dias”. A
construção do conhecimento não ocorre no isolamento profissional. A compreensão
arquitetônica abrange sínteses e análises que não estão livres de alguma subjetividade,
ainda que objetivamente conduzidas. A compreensão arquitetônica de uma casa, um
edifício, um abrigo de ônibus etc. é mais do que a compreensão das técnicas
construtivas. A compreensão arquitetônica, além de discorrer sobre essas
técnicas construtivas e sobre os materiais empregados, cuida, ao menos, da
articulação funcional dos ambientes, da orientação solar desses ambientes, do
conforto térmico desses ambientes e das relações entre o objeto arquitetônico e
seu entorno.
Referências
Bibliográficas:
ALFONSIN, B. M.. Apostila de
Direito Urbanístico. Texto: Legalidade, Ilegalidade, Regularização Fundiária:
atualizando a agenda. Autora: Betânia de Morais Alfonsin. Curso de
Especialização em Direito Urbanístico. 2012-2013. Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
CHING, F. D. K., ECKLER, J.
F.. Introdução à arquitetura. 1. ed.. Trad. Alexandre Salvaterra. Porto
Alegre: Bookman Editora, 2014. 421 p. Título original em inglês: Introduction
to Architecture.
DRUMOND, Pedro de P.. Avaliação
dos aspectos das políticas públicas, socioeconômicos e hidrológicos-hidráulicos
no uso de microrreservatórios. 2019. 285 f. Tese (doutorado). Programa de
Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Escola de
Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais,
2019.
HERTZBERGER, H.. Lições de
Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP:
Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students
in Architecture.
JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1.
ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p.
Título original em inglês: The Death em
Life of Great Ameriacans Cities.
LIRA, R. P.. Elementos de
direito urbanístico. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1997. 400p.
KARDEC, A. O que é o
Espiristimo. 1. ed., 1884. Trad. Redação de Reformador. Brasília:
FEB, 2013. 213 p. Título original em francês: Qu’est-ce que le spiritisme.
MARICATO, 3.. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.
PODESTÁ, S. E.. DOCTUM ENTREVISTA: Sylvio de Podestá: parte 3. Entrevistador: Leandro Braga. Entrevistado: Sylvio Emrich de Podestá. [S. I.]: Doctum TV, 23 nov. 2011. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tM2LFN676Dw. Acesso em 17 mar 2024.
ZEVI, B.. Saber ver a arquitetura. 6. ed., 1984. Trad. Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de Oliveira. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2009. 286 p. Título original em italiano: Saper Vedere L’architettura.