39 – O Plano Diretor e a organização da cidade.
Cada nação tem seu próprio
sistema de normas. O Direito no Brasil é diferente do Direito na Argentina.
Ambos são diferentes do Direito na Itália etc.. No Brasil, cada ente
federativo, estados e o distrito federal, possui regras próprias delimitadas
por competências previstas na Constituição Federal. Cada município também tem
regras próprias, motivadas por interesses locais. O Plano Diretor num
município, assim, é distinto do Plano Diretor em outro munícipio, ainda que
vizinhos. O mesmo ocorre com os códigos de obras, os códigos de edificações, os
códigos de posturas e as leis de parcelamento, uso e ocupação do solo. De
maneira geral, o Plano Diretor é aprovado por lei municipal. Leis posteriores,
supervenientes, podem vir a alterar pontual ou estruturantemente essa lei
municipal. Em função de circunstâncias históricas, geográficas, culturais e
econômicas, cada município trilha um percurso normativo próprio.
Conforme expresso no art. 40
da Lei Federal 10257/2001, denominada “Estatuto da Cidade”, “o plano diretor
(...) é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”.
Conforme o art. 2º dessa lei, “a política urbana tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”.
Aguiar (1996, p. 237)
apresenta considerações que convergem com o teor dessa Lei Federal 10257/2001,
sustentando que “o plano diretor tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes, constituindo o instrumento básico da política de desenvolvimento e
de expansão urbana”. Esse autor explicita, além, que os planos diretores não
têm “o objetivo estreito de cuidar, isoladamente, de obras, como se fosse
instrumento de atuação da secretaria de obras” nem são planos “a nível de
projetos de edificação, de habitação, de transporte, de zoneamento, sem assumir
sua inerente e inafastável função social”.
Em vista do §2º do art. 182 da
Constituição Federal, interpreto que não está rigidamente discriminada a função
social da propriedade urbana. Esse §2º do art. 182 evidencia que o cumprimento
dessa função social ocorre quando a propriedade urbana “atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Visto que cada
munícipio possui legislação urbanística própria, destacando-se o plano diretor,
e que cada município apresenta interesses comunitários locais, a função social
da propriedade num município fica distinta da função social noutro município,
ainda que esses municípios sejam limítrofes.
Entendo que a legislação
urbanística vem direcionar e limitar criteriosamente individualizações em vista
da coletividade. A necessidade de atendimento “às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor” (vide o §2º do art. 182
da Constituição Federal) ampara a ocorrência de direcionamentos e limitações.
Ocorre que os habitantes das cidades percebem diferenciadamente os feitos dessa
legislação.
A expressão “caos urbano” é
passível de debates. Entendo que o caos, enquanto ausência de organização, não
fica plenamente afastado por práticas de planejamento, ainda que efetivas. O
“caos urbano” percebido por alguns pode ser interpretado por outros como algo
complexamente ordenado. Para Jacobs (1961, p. 245), “as intrincadas combinações
de usos diversos nas cidades não são uma forma de caos”, sendo que a
incompreensão dos “complexos sistemas de ordem funcional” propicia percepções
de caos. Jacobs (1961, p. 482) descreve as cidades como “problemas de
complexidade organizada” as quais apresentam diversas situações que “variam
simultaneamente e de maneira sutilmente interrelacionada”. Essa autora observa
que “as variáveis são diversas, mas não são desordenadas”, estando
“interrelacionadas num todo orgânico”. Para essa autora, a influência mútua não
ocorre de maneira acidental ou irracional.
Considero que a organização
das cidades não significa o término do que é visto por alguns como caos. A
compreensão da complexidade das cidades demanda trabalhos colaborativos feitos
por profissionais que reconheçam limitações próprias, no que tange ao domínio
intelectual dos inúmeros e diversos aspectos das dinâmicas urbanas e
interurbanas.
Referências Bibliográficas:
AGUIAR, J. C.. Direito da
Cidade. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1996. 247 p.
BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. 05 out. 1988. Disponível
em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
>. Acesso em 03 mar. 2024.
BRASIL. Lei nº 10257, de 11 de
julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. Disponível
em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
>. Acesso em 03 mar. 2024.
JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1.
ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2000. 499 p.
Título original em inglês: The Death em
Life of Great Ameriacans Cities.
MARICATO, E.. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.