36 – Distinções entre o Direito Urbanístico e a legislação urbanística.

Em certa ocasião, eu disse a um advogado que eu, arquiteto-urbanista, lidava com a legislação urbanística. Em resposta, o advogado disse que ele lidava com o Direito Urbanístico, algo que abrangia a legislação urbanística.

Noutra ocasião, perguntei a uma advogada se o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental são ramos do Direito. Em resposta, a advogada disse sinteticamente que há macrorramos do Direito e que o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental possuem faces dos macrorramos Direito Civil, Direito Administrativo e Direito Penal.

Ainda que Abascal e Bilbao (2016, p. 84) considerem que o Direito Urbanístico emane do Direito Administrativo, estendo ao Direito Urbanístico a definição aplicada ao Direito Ambiental por Aguiar (1996, p. 204), transcrita conforme o seguinte: “(...) é um direito de caráter horizontal, por envolver-se com diferentes ramos do direito (direito constitucional, administrativo, civil, penal, tributário etc.), servindo-se de princípios e normas de todo o sistema jurídico, visando à manutenção de ambiente ecologicamente equilibrado. É mais do que um corpo de regras”. Percebo que o Direito Urbanístico também possui caráter horizontal, envolvendo-se com diferentes ramos do direito e servindo-se de princípios e normas para a conformação e a manutenção de ambientes urbanos equilibrados.

O Direito Urbanístico é mais do que um corpo de regras e não se confunde com a legislação urbanística. Sob perspectivas pragmáticas, o Direito Urbanístico é um ramo do Direito brasileiro e a legislação urbanística consiste no conjunto de regras a serem cumpridas para que prédios sejam construídos, terrenos sejam loteados e atividades que não sejam residenciais possam ser exercidas. O Direito Urbanístico é um ramo horizontal que atravessa outros ramos do direito.

Braga (2008) sustenta que “o Direito é, (...), uma ciência cultural e técnica”. Fernandes (2012) considera que o Direito tem se limitado, em estudos urbano-ambientais, à dimensão instrumental, ficando subestimado. Verifica, além, que leis, jurisprudências, a doutrina e decisões judiciais têm sido empregadas, enquanto instrumentos técnicos, em prol de soluções imediatas de problemas urbanos e sociais. Enquanto instrumentos políticos, todavia, têm sido empregadas de maneira a haver discriminação e exclusão social.

Lima (2002) observa que a expressiva urbanização havida no século XIX ensejou o desenvolvimento de regras e normas disciplinadoras da ocupação edilícia urbana, sendo possível reconhecer a ocorrência de regulações urbanas e a incipiência do ramo jurídico “Direito Urbanístico”. Maricato (2000, p. 145) relaciona a “regulação do espaço urbano” a “toda a legislação urbanística que implica padrões de produção do ambiente construído urbano”. Essa autora destaca, também, que o “planejamento modernista/funcionalista (...) alimentou a regulação urbanística nos países centrais (...)” (MARICATO, 2000, p. 172). Observo que esse “planejamento modernista/funcionalista” pode ser temporalmente situado no final do século XIX e durante a primeira metade do século XX.

Em complementação ao que apreendi de diálogos com advogados acerca da distinção entre o Direito Urbanístico e a legislação urbanística, acrescento uma observação que apreendi ao conversar com outra advogada: a burocracia pode fazer com que tenha sido mais trabalhoso para alguém construir um edifício regularmente do que o construir irregularmente e, em ocasião posterior, regularizá-lo.

A legislação urbanística, genericamente, prevê punições em face de inobservâncias de regras urbanísticas e/ou edilícias. O cumprimento dessas regras pode ter motivos variados: a necessidade evitar ou atenuar punições iminentes; o receio de punições futuras; a perspectiva de que a irregularidade de imóveis embaraçará compras e vendas ou o exercício de atividades econômicas etc.. Percebo que a adesão às regras depende, logo, de circunstâncias em que cidadãos avaliam se a regularidade urbanística é uma necessidade imediata ou de curto-prazo, pois o médio-prazo e o longo-prazo podem vir a abranger anistias urbanísticas.

O Direito Urbanístico e a legislação urbanística evoluem. Progressos e retrocessos podem se fazer presentes. Ora escolhemos o que vem para nós, ora escolhemos o que fazer com o que vem para nós.

 

Referências bibliográficas:

ABASCAL, E. H. S., BILBAO, C. A.. Mobilidade e Desafios do Plano Diretor Estratégico: o PDE de 2014 como estímulo à equidade. IN Mobilidade urbana: desafios e sustentabilidade, São Paulo, SP, Ed. Ponto e Linha, v. 2, 2016.

AGUIAR, J. C.. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 247 p

BRAGA. P. Manual de direito para engenheiros e arquitetos. Brasília, DF, Senado Federal, 2008. 316 p.

LIMA, J. A. de A.. Urbanismo como ciência, técnica e arte: sua política e sua proteção legal. Arquitextos. São Paulo, ano 03, ago. 2002. Disponível em <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.027/760>. Acesso em 04/08/2020. Acesso em: 01 jun. 2019. ISSN 1809-6298.

MARICATO, E.. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.

Apostila de Direito Urbanístico. Texto: Legislação, Planejamento e Gestão Urbanístico-Ambiental nos Municípios: um marco teórico. Autor: Edésio Fernandes. Curso de Especialização em Direito Urbanístico. 2012-2013. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

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