34 – Participações na gestão das cidades.

Nos assentamentos urbanos, a conformação do espaço é viabilizada através de relações variadas: relações econômicas, relações culturais, relações políticas, etc.. Há convivências. Há coexistências. A organização e a administração dessas relações possuem alguma relevância, pois conflitos e/ou descompassos não são raros.

A governança de assentamentos urbanos pode ser balizada por saberes técnicos e, entrelaçadamente, abranger considerações de quem vivencia esses assentamentos. A expressão “plano diretor” está relacionada tanto a leis municipais eminentemente tecnocratas quanto a leis desenvolvidas mediante processos participativos e democráticos. Para Maricato (2000, p. 175), a "gestão democrática das cidades" trazida a debate durante as décadas de 1980 e 1990 no Brasil representa “o desejo de ver ações que fossem além dos planos”.

A Lei Federal 10257/2001, denominada “Estatuto da Cidade”, discrimina dentre as diretrizes gerais da política urbana a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (vide o inciso II do art. 2º dessa Lei Federal 10257/2001).

Da Constituição Federal, uma vez considerada a Emenda Constitucional nº 71/2012, observo que o art. 216-A faz referência à organização do Sistema Nacional de Cultural “em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa”, de maneira a ser instituído “um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais”. Da Política Nacional de Biodiversidade, trazida pelo Decreto Federal 4339/2002, observo que o princípio enunciado pelo inciso XX do item 1, ao tratar da “gestão da biodiversidade” faz referência ao “caráter integrado, descentralizado e participativo, permitindo que todos os setores da sociedade brasileira efetivamente, acesso aos benefícios gerados por sua utilização”.

Hobsbawn (2007, p. 111), ao discorrer sobre perspectivas da democracia durante o século XX, sustenta que, “(...) na democracia liberal, dar atenção à vontade do povo torna mais difícil o ato de governar”, sendo que a “vontade do povo” julga mais os resultados de projetos do que os projetos propriamente. Percebo que o efeito dos desagrados ao povo é desproporcionalmente maior que o efeito dos agrados. Considero pertinentes debates que contraponham a percepção de desagrados pretensamente momentâneos à perspectiva de posteriores agrados pretensamente duradouros.

Hertzberger (1999, p. 113), ao apresentar comentários acerca do projeto arquitetônico de um centro comunitário, afirma o seguinte:

“O que os indivíduos conseguem em seus domínios privados não é necessariamente conseguido por um grupo num espaço comunitário. O projeto é um exemplo do que acontece quando se dá demasiada liberdade ao usuário. O resultado é desapontador quando se compara com a riqueza das possibilidades espaciais que um arquiteto poderia ter oferecido a eles”.

Em relação à organização e à gestão territorial, observo que a diversidade de leis e demais normas, a coordenação desarticulada e/ou fragmentária entre instituições que apresentam alguma responsabilidade fundiária e a limitação de transparência de ações e de planejamentos governamentais prejudicam a efetividade da participação popular.

Impor ações em sequência ao que é definido unilateralmente não fica justificado por alegações de ausência ou limitação de capacidade de participação popular na gestão das cidades. Perante essa alegada ausência e/ou limitação, fica pertinente propiciar meios e instrumentos para que a participação possa efetivamente ocorrer.

Dos escritos de Hobsbawn (2007), apreendo que a paz não significa a ausência de conflitos, mas sim a presença de respeito mútuo. Como balizas para os debates e os diálogos pertinentes à gestão democrática e participativa das cidades, desdobro o que apreendi segundo, ao menos, as percepções a seguir: “a ausência de brigas não significa a ausência de discordância”; “a ocorrência de discordância nem sempre significa a ocorrência de discórdia”; e “o silêncio, relação a determinadas discordâncias, nem sempre é omissão”.

 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 mar. 2025.

BRASIL. Decreto nº 4339, de 22 de agosto de 2002. Institui princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 ago. 2002. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4339.htm >. Acesso em 10 mar. 2025.

BRASIL. Lei nº 10257, de 11 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm >. Acesso em 03 mar. 2024.

HERTZBERGER, H.. Lições de Arquitetura. 1. ed. 1991. Trad. Eduardo Lima Machado. 3. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2015. 272 p. Título original em inglês: Lessons for Students in Architecture.

HOBSBAWN, E.. Globalização, Democracia e Terrorismo. 2007. Trad. José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Título original em inglês: Globalization, Democracy and terrorism.

Postagens mais visitadas deste blog

08 - Quando o ambiente construído se torna arquitetura.

05 - Arquitetura e Urbanismo: práticas multidisciplinares.

07 - Compreensão e aprendizado urbanísticos.