32 – Destinatários da infraestrutura urbana.

Os efeitos da infraestrutura urbana são percebidos distintamente pelas pessoas e/ou pelos diversos segmentos sociais. A implantação dessa infraestrutura ocasiona modificações diversificadas de preços de imóveis (JACOBS, 1961; CORRÊA, 1989; AGUIAR, 1996; FURTADO, 2004; BOCAREJO, LECOMPTE e ZHOU, 2013). Conforme circunstâncias locacionais, preços para a venda e para aluguéis podem aumentar ou diminuir, não cabendo presumir ocorrências rigorosamente homogêneas.

Ainda que seja possível reconhecer que cabe aos promotores de loteamentos a implantação da infraestrutura urbana, é inafastável o reconhecimento do Estado como indutor e/ou direcionador dessa implantação. A divisão de glebas de terras em quarteirões e a subdivisão desses quarteirões em lotes exemplifica a promoção de loteamentos. Cabe, em vista do teor da Lei Federal 6766/1979, aos proprietários dessas glebas implantar e custear a infraestrutura urbana pertinente a esses loteamentos. Não é incomum, todavia, a conformação de bairros desprovidos de infraestrutura ou providos parcialmente. Vilas/favelas, cidades históricas e loteamentos clandestinos exemplificam, genericamente, conjuntos urbanos em que a conclusão da implantação da infraestrutura ocorre em ocasiões posteriores ao início da instalação de edificações, casebres, casarões, barracos, etc.. As circunstâncias geográficas, temporais e fundiárias das cidades histórias apresentam, entre si, diversificações. Vilas/favelas e loteamentos clandestinos também apresentam circunstâncias próprias e específicas, embora seja possível detectar elementos e dinâmicas comuns.

Tanto anteriormente a 1979 quanto posteriormente, vilas/favelas e loteamentos clandestinos têm, no Brasil, se materializado sob carências de infraestrutura. A supressão dessas carências, não raro, se torna elemento de negociações políticas e, até mesmo, clientelistas. Intervenções urbanas além dessa infraestrutura, as quais viabilizam, no âmbito de discursos técnicos e/ou políticos, melhorias setoriais de qualidade de vida, também se tornam elementos dessas negociações. A fim de serem valorizados lotes e terrenos, agentes imobiliários chegam a alegar que, diferentemente de lotes/terrenos alhures, comercializam imóveis providos de infraestrutura, imóveis tangíveis através de vias asfaltadas.

Em relação à gestão pública praticada no município de São Paulo, no Brasil, durante as décadas de 1980 e 1990, Maricato (2000, p. 159) observa que, “ao invés de priorizar o caráter público e social dos investimentos municipais em uma cidade com gigantescas carências, o governo municipal o fez de acordo com interesses privados, em especial de empreiteiras de construção pesada e agentes do mercado imobiliário”. Maricato (2000, p. 160) percebe que, durante as décadas de 1980 e 1990 no Brasil, investimentos públicos transferiram “renda para o mercado imobiliário de alto padrão, em áreas pouco ocupadas, enquanto carências básicas de grande parte da população já assentada” não recebiam atenções pertinentes.

Em atenção aos termos de Maricato (2000, p. 160), observa-se que o preço da terra em “áreas mais urbanizadas” aumenta e, por conseguinte, há “fuga da população mais pobre” para áreas menos urbanizadas. O encarecimento do preço da terra ocasiona a instalação de segmentos populacionais em terras outras, mais baratas. Esse encarecimento, fomentado pela promoção da infraestrutura urbana, repele e/ou expulsa segmentos da população os quais não conseguem suportar os custos das dinâmicas decorrentes do aumento do preço da terra.

Villaça (1999, p. 201-204), em vista da conformação da “consciência popular urbana no Brasil” durante as primeiras décadas do século XX (VILLAÇA, 1999, p. 201-204), pontua que a “atuação urbana da classe dominante” passou a desconsiderar, no âmbito dos planos urbanos, planos de obras etc., tanto o anúncio de obras de interesse popular, porque não seriam feitas, quanto o anúncio de obras de interesse específico distinto do interesse popular, porque seriam feitas.

Observo que a implantação da infraestrutura urbana não serve a um destinatário somente, sendo que a percepção dos efeitos dessa implantação ocorre diferenciadamente. Corrêa (1989, p. 48) reconhece que, através do Estado, ônus e custos da infraestrutura urbana são socializados. Entendo que essa socialização alivia veladamente os ônus cabíveis a alguns agentes sociais e acentua os ônus incidentes sobre outros agentes, outros segmentos sociais. Em relação à gestão do desenvolvimento das cidades brasileiras, Maricato (2000, p. 174) expõe que “nada pode substituir o papel do Estado na garantia da equalização de oportunidades”. Ressalto que a implantação da infraestrutura urbana, embora imprescindível, não é suficiente para a caracterização de qualidades ambientais satisfatórias. Há, além, cuidados e ações pertinentes, ao menos, à macrodrenagem urbana, à mobilidade urbana, à caminhabilidade, à acessibilidade aos serviços públicos e à acessibilidade aos bens públicos de uso comum.

 

Referências bibliográficas:

AGUIAR, J. C.. Direito da Cidade. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1996. 247 p.

BOCAREJO, J. P., LECOMPTE, M. C., ZHOU, J.. Vida e Morte das Rodovias Urbanas. 2013. 52 p. Relatório - Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), 2013. EMBARQ Brasil, 2013. Disponível em: https://www.mobilize.org.br/midias/pesquisas/vida-e-morte-das-rodovias-urbanas.pdf. Acesso em 18/10/2022.

CORRÊA, R. L.. O espaço urbano. São Paulo, SP: Ática, 1989. 64 p.

FURTADO, F.. Recuperação de mais-valias fundiárias urbanas: reunindo os conceitos envolvidos. In: SANTORO, P. (Org.). Gestão social da valorização da terra. São Paulo: Instituto Pólis – Cadernos Pólis 9, 2004. p. 53-68.

JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1. ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p. Título original em inglês: The Death em Life of Great Ameriacans Cities.

MARICATO, E.. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.

VILLAÇA, F. J. M.. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. IN O processo de urbanização no Brasil, São Paulo, SP, Ed. Universidade de São Paulo, 1999.

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