29 – Enfrentar a pobreza não é sinônimo de enfrentar os pobres.

O desenvolvimento urbano fica suficientemente efetivo quando, presente em todo o território urbano, é tangível a todas as pessoas que vivem nesse território. Não há desenvolvimento urbano efetivo quando ocorrem a pobreza e a exclusão. Mesmo que a definição do termo “pobreza” seja passível de debates e possa variar conforme recortes territoriais e temporais, a ocorrência da pobreza inviabiliza o reconhecimento da plenitude do desenvolvimento urbano. Ainda que as feições do termo “exclusão” venham a ser distinguidas das exclusividades socialmente aceitas recorrentemente promovidas dentre as dinâmicas econômicas, a efetividade do desenvolvimento urbano fica limitada pela seletividade que desfavorece o acesso ao uso de espaços, bens e serviços públicos, sejam ruas, travessas, parques, praças, áreas verdes, corpos d’água, estabelecimentos de assistência à saúde, equipamentos para práticas esportivas, lazer etc..

O enfrentamento da pobreza não é sinônimo do enfrentamento dos pobres. O enfrentamento da pobreza depende da conjugação de ações de pessoas, segmentos sociais, agentes urbanos, e não abrange aversão a pessoas em situação de pobreza. O enfrentamento dos pobres decorre dessa aversão e pode ser representado pelo termo “aporofobia” e, ao menos, pelas expressões “arquitetura hostil” e “arquitetura antipobre”. Reportagens jornalísticas ecoam esse termo e essas expressões: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59898188, de 06/01/2022; https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/08/09/aporofobia-10-exemplos-para-nao-seguir.htm, 09/08/2022; e https://blog.archtrends.com/aporofobia/, de 08/11/2023.

Considerando que pessoas em situação de rua exemplificam pessoas em situação de pobreza, fica possível perceber feições dessa arquitetura nos espaços arquitetônicos e urbanos: gotejamento intencional sobre calçadas; gotejamento intencional sob marquises; aspersores de água que extrapolam intencionalmente jardins e canteiros; pedras e pedregulhos sob marquises e/ou sobre muretas; estacas e espículas sobre muretas e/ou entre bancos. Não afasto o reconhecimento da aplicabilidade das expressões “urbanismo hostil” e “urbanismo antipobre”, as quais poderiam ser representadas por fragmentos e/ou porções do território urbano seletivamente acessíveis, de maneira a serem intangíveis às pessoas em situação de rua. Esses fragmentos e/ou essas porções territoriais são, além, intangíveis a pessoas que não se encontram em situação de rua e/ou pobreza.

O enfrentamento da pobreza é multidisciplinar e transversalizado. É necessária a coleta periódica de resíduos sólidos urbanos para que sejam reduzidos riscos à saúde humana. É pertinente a promoção de níveis de instrução para que trabalhos e serviços possam ser organizados e cumpridos. É relevante alguma infraestrutura de mobilidade e/ou transporte para que estudos, lazeres e trabalhos sejam alcançáveis. Em linguajar curto e, mesmo, coloquial, “como proceder perante a pobreza é questão de políticas públicas” e “como proceder perante o pobre é questão de foro íntimo”.

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