28 – Distinções entre o desenvolvimento urbano e o crescimento urbano.

As palavras “desenvolvimento” e “crescimento” representam faces distintas da evolução de pessoas, seres vivos, comunidades, cidades. A desenvolvimento de um ser humano não se limita ao crescimento do corpo desse ser humano. O aprimoramento de habilidades cognitivas e de habilidades sensoriais exemplifica o desenvolvimento pessoal. Igualmente, são exemplos: aprender idiomas, compreender relações lógicas matemáticas, reproduzir melodias em instrumentos musicais após simplesmente escutá-las.

O desenvolvimento de cidades não se confunde com o crescimento das cidades. O êxodo rural havido principalmente durante a segunda metade do século XX retrata o crescimento populacional urbano. A ausência ou a ineficiência da efetiva organização do espaço urbano impossibilita afirmar que houve desenvolvimento urbano compatível com esse crescimento populacional. Houve desenvolvimento urbano em medida distinta do crescimento urbano. Seo (2016, p. 61) observa que a “má distribuição territorial das atividades e da população” tem sobrecarregado o sistema viário, sendo relevante que, “na regulação do espaço urbano, o parcelamento, o uso e a ocupação do solo” estejam “intrinsecamente relacionados ao sistema de mobilidade urbana, (...), um dos sistemas estruturais de qualquer política de desenvolvimento urbano”.

Conforme expresso no art. 40 da Lei Federal 10257/2001, denominada “Estatuto da Cidade”, “o plano diretor (...) é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Aguiar (1996, p. 42 e p. 237) apresenta considerações idênticas. Entendo, sinteticamente, que planos diretores municipais são leis dedicadas à promoção do ordenamento territorial local, sendo pertinente distinguir o desenvolvimento urbano e a expansão urbana.

Essa expressão “desenvolvimento urbano” não se equipara às expressões “crescimento urbano” e “expansão urbana”, pois é possível haver crescimento sem desenvolvimento, ou seja, é possível haver “cidades grandes” que não disponham consistentemente de características afins ao desenvolvimento urbano. Belo Horizonte (BH), capital do Estado de Minas Gerais, no Brasil, dispunha, ainda no início da década de 2020, de uma linha metroviária para transporte de passageiros, sendo descabido o emprego da expressão “rede metroviária”.

A diferenciação entre o desenvolvimento e o crescimento perpassa estudos dedicados à compreensão de dinâmicas e problemas urbanos. Litman (2018, p. 21) afirma que o desenvolvimento inclusivo corresponde ao crescimento que reduz desvantagens. Debrassi (2006, p. 93) afirma que o entrelaçamento de infraestruturas técnicas é um elemento característico de civilizações desenvolvidas.

Na obra “23 coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo”, o autor, Ha-Joon Chang, considera que o crescimento do capitalismo é diferente do desenvolvimento do capitalismo (CHANG, 2013, p. 336). Enquanto o crescimento consiste na mera expansão de estruturas produtivas existentes, o desenvolvimento abrange investimentos de longo prazo e inovações tecnológicas que transformam estruturas existentes.

Em similaridade, observo que o crescimento das cidades corresponde à simples expansão do tecido urbano, independentemente do refinamento de dinâmicas de usos e atividades. Equiparando-se esse refinamento ao desenvolvimento que abrange perspectivas de longo prazo e inovações, fica possível imaginar, ao menos, (i) crescimento sem desenvolvimento, (ii) desenvolvimento sem crescimento e (iii) desenvolvimento concomitante ao crescimento.

Entendo que expansões horizontais dispersas e periféricas não caracterizam suficientemente a ocorrência do desenvolvimento. Exemplificam a ocorrência do crescimento urbano, mas não representam, por si, a ocorrência do desenvolvimento urbano, os bairros sujeitos a restrições de acesso, denomináveis “loteamentos fechados” (PIRES, 2006, p. 17) ou “condomínios fechados” (CARDOSO, 2007, p. 25). Igualmente, os “loteamentos populares” (MENDONÇA, 2002, p. 06) e os “conjuntos habitacionais” (MENDONÇA, 2002, p. 172) acentuam o crescimento mais do que promovem o desenvolvimento. Em relação aos “bairros dormitórios”, Abascal e Bilbao (2016, p. 83) observam a significativa escassez de empregos e a recorrência de tempos delongados de deslocamento entre os domicílios e os locais de trabalho.

O simples crescimento populacional não caracteriza, por si, a ocorrência de desenvolvimento urbano. Entendo que são passíveis de ressalvas os anúncios publicitários que empreguem o termo “desenvolvimento” ao tratarem da implantação de empreendimentos imobiliários onde tem havido saliente crescimento populacional. Anúncios como “venham investir na cidade que mais se desenvolve” ou “(...) no bairro que mais se desenvolveu nos últimos anos” são dignos de reservas, pois o crescimento populacional e a implantação de empreendimentos predominantemente residenciais não bastam para que haja desenvolvimento urbano. Obras de infraestrutura urbana em ruas já existentes veem representar algum desenvolvimento e têm efeito mormente local. Por ocasionarem efeitos mais abrangentes, considero que representam o desenvolvimento urbano a instalação e o funcionamento de terminais rodoviários, estações de metrô, aeroportos, parques, praças, creches, escolas, salas de concerto, salas de teatro, hospitais e unidades de apoio e/ou promoção da saúde. Não faço, a princípio, distinções entre escolas particulares e escolas públicas ou entre hospitais particulares e hospitais públicos, porém percebo que essa distinção tem alguma pertinência ao serem observados os estádios de futebol e os shopping centers, instalações em que há espaços seletivamente dedicados ao entretenimento e ao consumo. Estádios e shoppings podem apresentar alguma relevância em prol da dinamização econômica, mas devem ser elementos suplementares de indicação de desenvolvimento, ou seja, devem ter sua relevância observada em sequência à observância de elementos cuja destinação apresente inclinações à inclusividade mais que à exclusividade.

Para Jacobs (1961, p. 02), “shoppings centers monopolistas” encobrem a ocorrência de exclusão do comércio e da cultura em relação à “vida íntima e cotidiana das cidades”. Conforme essa autora pontua, “lugares em que a combinação de usos diferentes não é muito frequente”, como os “shopping centers (...) provocam concentração do trânsito – e, além disso, provocam tráfego pesado nas ruas que levam a eles e deles saem” (JACOBS, 1961, p. 253). Em relação aos “shopping centers que servem apenas ao uso principal residencial”, essa autora observa que “a ineficácia inerente ao servir a um único uso principal é um dos motivos (junto com vários outros) pelos quais a maioria dos shopping centers é capaz de manter apenas empresas padronizadas e de alto giro” (JACOBS, 1961, p. 178).

 

Referências bibliográficas:

ABASCAL, E. H. S., BILBAO, C. A.. Mobilidade e Desafios do Plano Diretor Estratégico: o PDE de 2014 como estímulo à equidade. IN Mobilidade urbana: desafios e sustentabilidade, São Paulo, SP, Ed. Ponto e Linha, v. 2, 2016.

AGUIAR, J. C.. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 247 p.

BRASIL. Lei nº 10257, de 11 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm >. Acesso em 03 mar. 2024.

CARDOSO, L.. Transporte público, acessibilidade urbana e desigualdades socioespaciais na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2007. 232 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2007.

CHANG, H.. 23 coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo. São Paulo: Pensamento-cultrix Ltda., 2013. 368 p.

DEBRASSI, T. M. F. B.. Paradigmas e teorias da cidade: das reformas urbanas ao urbanismo contemporâneo - o caso de Barcelona. 2006. 206 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação na área de Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo, 2006.

JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1. ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p. Título original em inglês: The Death em Life of Great Ameriacans Cities.

LITMAN, T. Evaluating Transportation Equity: Guidance for Incorporating Distributional Impacts in Transportation. Victoria Transport Policy Institute. Victoria, Austrália. 2018. 64 p.

MENDONÇA, J. G.. Segregação e mobilidade residencial na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2002. 252 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

PIRES, L. M. F.. Loteamentos Urbanos – Natureza Jurídica, São Paulo: Quartier Latin, 2006. 159 p.

SEO, H. N. K.. Novo Plano Diretor de São Paulo e o sistema de mobilidade. IN Mobilidade urbana: desafios e sustentabilidade, São Paulo, SP, Ed. Ponto e Linha, v. 2, 2016.

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