27 – Entre a pobreza e a riqueza: o transporte ativo e o transporte público coletivo.
Há nuances entre a pobreza e a
riqueza. Sendo ações distintas, o enfrentamento da
pobreza não fica reduzido a estímulos para que haja mais riqueza. Durante
práticas profissionais, escutei a seguinte frase sobre gestão financeira: “o
importante não é só o quanto você ganha, mas também o quanto você gasta”.
Observo que são relevantes ações dedicadas à redução dos custos para suporte
dos deslocamentos cotidianos, ou seja, observo que, além do fomento ao aumento
da renda de cidadãos, é relevante reduzir o gasto de cidadãos relacionado aos
deslocamentos cotidianos.
Rocha (2003, p. 155) observa
que “existem muitas evidências empíricas de que o nível educacional é o
determinante principal da renda”. Chang (2013, p. 246) apresenta considerações
distintas, ao sustentar (i) que “existem pouquíssimas evidências que demonstrem
que um povo mais instruído acarrete uma maior prosperidade nacional” e (ii) que
o conhecimento adquirido em escolas é pouco para o aumento da produtividade.
Para esse autor, essa prosperidade nacional decorre da capacidade de geração de
conhecimento produtivo e da capacidade de as nações organizarem cidadãos em
empreendimentos significativamente produtivos.
Tem-se que Rocha (2003)
relaciona o nível de instrução do cidadão à determinação da renda e que Chang
(2013) indica a ausência de relação entre o nível de instrução e a prosperidade
econômica das nações. Assumindo-se que o termo “pobreza” é passível de definições
variadas e controversas e que o termo “prosperidade” representa o termo
“riqueza”, verifica-se que esses termos “prosperidade” e “riqueza” não são
antônimos estritos daquele termo “pobreza”. Genericamente, tem-se que o oposto
da insuficiência de renda é a suficiência de renda, mesmo que inexistam ou
restem inexpressivos(as) “sobras” dessa renda, “mais-valias”, “lucros”,
“excedentes” ou quaisquer termos similares.
Contrapondo-se as
considerações de Rocha (2003) às de Chang (2013), infere-se que o nível de
instrução possui relação mais intensa com a ausência da pobreza do que com a
presença e/ou a produção da riqueza. Conforme observado por Rocha (2003), o
aumento da renda média per capita enseja a redução da incidência da pobreza
absoluta, mas, em virtude da desigualdade de distribuição de rendimentos, não a
suprime plenamente. Ainda conforme Rocha (2003), o crescimento econômico,
propriamente, não é capaz de reduzir a pobreza ou a desigualdade de renda.
Em vista da insuficiência de
renda e da insatisfação das necessidades básicas, Rocha (2003) se refere ao
termo “pobreza” enquanto “síndrome de carências diversas”. Destaca, em seguida,
a acentuação da vulnerabilidade de famílias em virtude (i) da presença de
crianças, membros familiares consumidores que não propiciam adições de renda,
(ii) da cor e da raça, havendo “prevalência, entre os pobres, de indivíduos de
cor preta e parda” (ROCHA, p. 145), (iii) da chefia feminina, visto que há
“obstáculos à inserção da mãe no mercado de trabalho em face da necessidade de
cuidar dos filhos” (ROCHA, p. 152) e (iv) da uniparentalidade, quando há, além
dos filhos, somente pai ou mãe (ROCHA, p. 152).
Sen (2000) destaca que níveis
baixos de renda são a causa primária de padrões baixos de qualidade de vida.
Logo, a promoção e/ou o resguardo da renda se mostra primordial para a
superação da pobreza. Bak (2018, p. 9), todavia, observa que padrões baixos de
qualidade de vida não decorrem unicamente de níveis baixos de renda.
Brasil (2017, p. 101) se
refere especificamente ao “modo de transporte a propulsão humana” mediante a
expressão “transporte ativo”, porém não trata expressamente de distinções entre
o emprego de, por exemplo, bicicletas desprovidas de motores elétricos daquelas
providas. Noto que esse modo de transporte ativo abrange tanto dispositivos
motorizados quanto não motorizados, ressalvando-se que os deslocamentos não
ficam plenamente motorizados, mas demandam propulsão humana durante, ao menos,
trechos desses deslocamentos.
Entendo que o enfrentamento da
pobreza não se limita à promoção da riqueza, sendo que a priorização do
transporte ativo e do transporte coletivo em detrimento do transporte
individual motorizado pode reduzir as parcelas da renda familiar necessárias ao
suporte dos deslocamentos cotidianos. Observo que são exemplos de enfrentamento
da pobreza (i) propiciar a redução e/ou a desnecessidade de custos tarifários
relacionados ao transporte coletivo e (ii) privilegiar espacialmente o
transporte ativo.
Em sentido convergente,
percebo que o enfrentamento da pobreza abrange, inerentemente, ações dedicadas
ao desenvolvimento dos níveis de educação/instrução da população. Em linguajar
coloquial, “não há ‘teto’ para o desenvolvimento de níveis de educação/instrução”,
mas deve haver um “piso” suficiente para que pessoas, por labor próprio,
viabilizem o próprio sustento/desenvolvimento e possam dar suporte ao
sustento/desenvolvimento de seus grupos familiares.
Referências bibliográficas:
BAK, C. K.. Definitions and
Measurement of Social Exclusion: a Conceptual and Methodological Review. Advances
in Applied Sociology. Scientific Reseach Publihing, v. 8, p. 1-22,
2018.
BRASIL. Ministério das
Cidades. Caderno técnico para projetos de mobilidade urbana: Transporte
ativo. Brasília, DF, 2017. 120 p.
CHANG, H.. 23 coisas que não nos contaram sobre o
Capitalismo. São Paulo, SP: Pensamento-cultrix Ltda., 2013. 368 p.
ROCHA, S.. Pobreza no
Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. 244 p.
SEN, A. K.. Desigualdade
reexaminada. 1992. Trad. Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro: Record,
2001. 301p. Publicado originalmente em inglês. Título original em inglês: Inequality
reexamined.