26 – Notas sobre a exclusão social.
A expressão “exclusão social”
e o termo “pobreza” são passíveis de debates.
Cardoso (2007) verifica que
não são incomuns vinculações entre o termo “pobreza” e as expressões “exclusão
social” e “segregação urbana”, de maneira a serem apresentados como sinônimos.
Considera, todavia, a possibilidade de estabelecimento de relações diretas, mas
não sinonimizadas, entre esse termo e essas expressões. Rocha (2003), ao
estudar a pobreza no Brasil, busca averiguar relações sintomáticas entre a
pobreza, a subnutrição, níveis de escolaridade, níveis de emprego e/ou
desemprego e a falta de acesso a serviços básicos.
Gomide (2003, p. 7) sustenta
que “o conceito de exclusão social, (...), estende o conceito de pobreza para
além da capacidade aquisitiva de bens e serviços” e, em vista das considerações
de Sposati (1998), observa que a exclusão social abrange a “insuficiência de
renda, a discriminação social, a segregação espacial, a não equidade e a
negação dos direitos sociais”. Propriamente, Sposati (1998, p. 3) argumenta que
“a exclusão é a negação da cidadania”, pois confronta concepções de
universalidade de direitos sociais. Além, indica distinções entre a expressão
“exclusão social” e os termos “pobreza” e “desigualdade”. Enquanto esse termo
“pobreza” está relacionado à capacidade aquisitiva de bens e serviços, a
expressão “exclusão social” abrange elementos éticos e culturais, de maneira a
estar relacionada inerentemente à discriminação e à estigmatização de cidadãos,
mesmo que capazes de adquirir bens e serviços (SPOSATI, 1998, p. 4-5). O termo
“desigualdade”, ainda, trata de distinções dentre os “padrões de vida relativos
de toda a sociedade”, sendo que mínimas desigualdades podem estar presentes em
meio à generalização da pobreza ou de outras condições aquisitivas (SPOSATI,
1998).
Rocha (2003, p. 179) observa,
especificamente, que níveis exacerbados de desigualdade de renda geram tensão
social e que essa tensão é mais expressiva, notadamente, “nas áreas urbanas e
modernas, onde os contrastes de renda, riqueza e poder são mais evidentes”.
Gomide (2003, p.8) destaca que a exclusão social não se limita a privações de
cunho individual, mas abarca, em âmbito coletivo, a “carência de serviços
públicos essenciais”, a “impossibilidade de reinvindicação dos direitos
sociais”, a “falta de participação política”, a exposição à violência e a
exposição a “condições precárias de vida”. Delbosc e Currie (2011) argumentam
que a exclusão social é complexa e multifacetada, de maneira a extrapolar a
pobreza e abranger aspectos sociais e políticos. Além, reconhecem a
inexistência de definições incontroversas e, por consequência, a significativa
dificuldade de mensurações empíricas.
Bak (2018) verifica que, na
Dinamarca, a expressão “exclusão social” tem sido empregada tanto em referência
a condições de desvantagens de segmentos sociais quanto em referência à
ausência de participação social. Verifica, também, que há consenso relativo ao
reconhecimento do caráter complexo e multidimensional dessa expressão, mesmo
ocorrendo na literatura científica definições variadas. Sustenta, logo, que
pode haver exclusão social sem haver pobreza.
Considerando a natureza
multidimensional da exclusão social, Lucas (2010) destaca, além, que Church et
al. (2000, p. 198-200) discriminam 07 (sete) características da exclusão de
cidadãos ou segmentos sociais relacionadas ao sistema de transporte, quais
sejam:
- Exclusão física: propiciada por barreiras físicas, as quais podem ser exemplificadas pela insuficiência de informações e conformação física de veículos, sejam de uso coletivo ou individual, e do espaço construído que compõe o sistema de transporte;
- Exclusão geográfica: consistente na privação de acesso aos serviços de transporte ocasionada pela localização de residência dos cidadãos. São exemplos as zonas rurais e as periferias urbanas;
- Exclusão de facilidades/conveniências: consistente na privação, em decorrência da distância a ser transposta para acesso, das facilidades/conveniências relacionadas aos centros comerciais, aos estabelecimentos educacionais e aos estabelecimentos de apoio à saúde;
- Exclusão econômica: consistente na restrição ou na imposição de limites, em decorrência dos altos custos monetários para viagens, do acesso às facilidades/conveniências acima e a empregos;
- Exclusão baseada no tempo: propiciada por demandas quotidianas, domésticas ou profissionais, que reduzem o tempo disponível para viagens;
- Exclusão baseada no medo: consistente na renúncia, em decorrência da insegurança, ao uso de espaços públicos e/ou de serviços de transporte;
- Exclusão espacial: consistente da privação, em virtude de critérios de segurança ou de critérios gerenciais/operacionais, imposta a cidadãos ou a segmentos sociais relativamente à utilização de espaços públicos ou privados. Como exemplos, têm-se os “Condomínios Fechados” e, em aeroportos, as salas de embarque para primeira classe.
Em síntese, apreendo que a
expressão “exclusão social” possui definição passível de debates, pois
controversa, havendo consenso, todavia, acerca do reconhecimento de que essa
expressão possui caráter complexo e multidimensional. Percebo que é possível
haver exclusão social sem haver pobreza e estimo que possa, também, haver
exclusão social unicamente entre grupos sociais qualificados como “pobres”.
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