17 – O rural além do campo.

Rolnik (1988, p. 26) associa o termo “Cidade” a centros de produção e consumo, reconhecendo a presença intensa do mercado e a conjugação da especialização do trabalho com “a possibilidade de obter(-se) parte dos produtos necessários à sobrevivência através da troca”.

Em vista das considerações de Veiga (2002) acerca dos critérios a serem considerados para aferição das populações urbana e rural brasileiras, Lobo (2009, p. 29) observa que a compreensão dessas considerações não deve ser balizada pela equiparação do termo “rural” ao que “está fora do perímetro urbano dos municípios brasileiros” ou às “atividades exclusivamente agropecuárias”. Por conseguinte, indica-se controversa a “regra a brasileira que identifica como urbana toda e qualquer sede de munícipio, e mesmo as sedes distritais”.

Além de criticar o critério administrativo expresso no Decreto-lei Federal nº 311/1938 relativamente à discriminação do que deve ser representado pelo termo “cidade”, Veiga (2002) ressalta a combinação de critérios estruturais com critérios funcionais e não ignora a ocorrência de porções territoriais “que deixaram de ser propriamente rurais e que não chegam a ser propriamente urbanas”. Como critérios estruturais, citam-se a localização, a densidade demográfica e o número de habitantes, de eleitores e de moradias. Como critério funcional, cita-se a ocorrência de “serviços indispensáveis à urbe”, consistentes em hospitais, farmácias, corporação de bombeiros, casa de espetáculos e centro cultural, museu e biblioteca, instalações de hotelaria, estabelecimentos de ensino preparatório e secundário, estabelecimentos de ensino pré-primário e creches, transportes públicos, urbanos e suburbanos; e parques e jardins públicos.

Irazábal (2001) observa a ocorrência de distinções entre os subúrbios estadunidenses e o que vem a ser “cidade” e o que vem a ser “campo”, ao observar que esses subúrbios “carecem de uma adequada mescla de funções que permita a um grupo significativo de seus habitantes trabalhar e desenvolver outras atividades sociais em sua própria vizinhança”.

Rocha (2003), ao tratar da ‘nacionalização’ do padrão de consumo e de preços presente nas regiões metropolitanas brasileiras até o final da década de 1990, indica que essa ‘nacionalização’ pode ter ocorrido nas áreas rurais e nas demais áreas urbanas. Especificamente, Rocha (2003, p. 69) observa que:

A modernização agrícola, que vem se dando principalmente no Centro-Sul, está transformando o modo de vida rural em um modo de vida urbano nas áreas rurais. Além disso, a enorme capilaridade das redes de comunicação contribui para difundir os gostos e modismos adotados nas metrópoles, que se tornam modelos de consumo para todas as áreas e regiões do país.

Matos (2003) reconhece que a definição do termo “cidade” é, em vista da diversidade de tipos, tamanhos, características funcionais etc, controversa. Ainda assim, Matos (2003, p. 306), a partir de dados censitários e da definição atribuída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) à expressão “área urbana”, considera “como população da cidade de município não conurbado a população de seu distrito sede” e assume que, “para os municípios conurbados, como nas regiões metropolitanas, somam-se as populações do município núcleo e a dos distritos sede dos municípios da periferia”.

Minas Gerais (2013, p. 58) observa que a delimitação de “Áreas Homogêneas (AHs)”, unidades espaciais de análise consideradas no âmbito das pesquisas amostrais domiciliares decenais de Origem-Destino realizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (pesquisas O-D RMBH), tem considerado “a malha viária, o transporte coletivo, a morfologia social de seus habitantes e a morfologia física do sítio. Em síntese, o ‘urbano’”. Subsequentemente, equipara-se a expressão "Região Metropolitana” a “um contínuo urbano, que vai além dos limites municipais”.

Destaco, em conclusão, que o termo “rural” não se limita ao que está fora do perímetro urbano nem se limita às atividades exclusivamente agropecuárias. Dentre do perímetro urbano, pode haver porções territoriais em que são exercidas atividades agropecuárias e/ou porções territoriais em que permanecem aspectos, mesmo que parcialmente, do modo de vida rural. Fora do perímetro urbano, as redes de comunicação e a modernização de sistemas variados ocasiona a transformação do modo de vida rural num modo de vida urbano. Seja fora ou dentro do perímetro urbano, pode haver porções territoriais que deixaram de ser propriamente rurais e que não chegam a ser propriamente urbanas, algo que não vem a ser somente “cidade” nem somente “campo”, algo que apresente o entrelaçamento de aspectos da “cidade” e de aspectos do “campo”.

 

Referências bibliográficas:

BRASIL. Decreto-lei nº 311, de 02 de março de 1938. Dispõe sobre a divisão territorial do país e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 02 mar 1938. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/>. Acesso em: 18 nov. 2024.

IRAZÁBAL, C.. Da Carta de Atenas à Carta do Novo Urbanismo: Qual seu significado para a América Latina? Arquitextos. São Paulo, ano 02, dez. 2001. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.019/821>. Acesso em: 01 jun. 2019. ISSN 1809-6298.

LOBO, C. F. F.. Dispersão espacial da população nas regiões de influência das principais metrópoles brasileiras. 2009. 164 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2009.

MATOS, R.. O Brasil dividido e a rede urbana fracionada. Cadernos do Leste – Artigos Científicos. Belo Horizonte: IGC/UFMG, Edição Especial, 2000-2008. Versão original: v. 1, n. 1, p. 1-51, 2003.

No âmbito da compilação de artigos científicos “Cadernos do Leste – Artigos Científicos, Belo Horizonte - IGC/UFMG, Edição Especial, 2000-2008”, o estudo de Matos (2003) consta das páginas 286 a 340, de maneira a serem totalizadas 56 páginas. Ainda que a versão original desse estudo contenha 51 páginas, foram consideradas, para fins de citações e referências bibliográficas, as informações constantes dessa compilação.

MINAS GERAIS. Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana (SEGEM), Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH). Pesquisa Origem e Destino: 2011-2012. Belo Horizonte, 2013, 565 f.

ROCHA, S.. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. 244 p.

ROLNIK, R.. O que é cidade. 4. ed.. São Paulo: Brasiliense, 1995. 203 p.

VEIGA, J. E.. Cidades imaginárias. 2. ed., Campinas: Autores Associados, 2002. 198p.

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