15 – Considerações sobre os termos “cidade”, “urbano”, “campo” e “rural”.
As palavras “urbano” e “rural”
são comumente empregadas como adjetivos. Fala-se sobre “o perímetro urbano”, “a
expansão urbana”, “a zona rural” etc. Dentre obras literárias especializadas,
teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos científicos, há
ocorrências do emprego dessas palavras como substantivos: o urbano (CERDÀ,
1863; CHOAY, 1980, p. 01, 32, 54; CORRÊA, 1989, p. 05-06; VILLAÇA, 1999, p.
172, 180, 198; LEFEBVRE, 1968, p. 11; MONTE-MÓR, 2007, p. 04) e o rural (CERDÀ,
1863; CORRÊA, 1989, p. 17; MONTE-MÓR, 2007, p. 02).
Na linguagem cotidiana, essas
palavras se contrapõem, o que ocorre relativamente a demais palavras que são a
elas equiparadas. Vive-se no “campo” ou na “cidade”. Vive-se num “ambiente
agrário” ou num “ambiente industrial”. No meio acadêmico, usa-se o termo
“dicotomia” em referência a essas contraposições.
Ocorre que essa distinção
binária se mostra insuficientemente simples, pois é ampla a diversidade de
características da presença antrópica em terrenos, territórios, ambientes
(MONTE-MÓR, 2007). O título original, em inglês, da obra “Morte e Vida das Grandes
Cidades” é “The Death and Life of Great American Cities”, algo como
“Morte e Vida das Grandes Cidades norte-americanas”. As perspectivas atribuídas
ao termo “cidades” se concentram nas composições urbanas predominantemente
presentes no território estadunidense. Ainda assim, não é controverso estender
criteriosamente a cidades localizadas em outros países as considerações e
ponderações apresentadas pela autora, Jane Jacobs. Entendo que esse termo
“cidades” pode representar composições urbanas de feições variadas, abarcando,
por exemplo, centros urbanos densamente povoados, bairros residenciais
predominantemente ocupados por casas, bairros industriais predominantemente
ocupados por galpões etc.
Observo que a abrangência dos
significados atribuíveis a esse termo “cidades” está sujeita a circunstâncias
locais e regionais. A Lei 2613/1976 do município de Belo Horizonte, no Brasil,
ao descrever o perímetro de um terreno localizado dentro da zona urbana,
emprega a expressão “sentido de direção do bairro para a cidade” (vide especificamente
o art. 2º dessa Lei 2613/1976), ficando evidenciada a conotação do termo
“cidade” enquanto centro urbano e a conotação do termo “bairro” enquanto algo
distinto e, mesmo, distante do centro urbano. Não é incomum, além, que pessoas
nascidas entre as décadas de 1940 e 1970, nativas ou imigrantes, também se
refiram ao centro urbano como “cidade”. Mesmo residindo dentro da mancha urbana
belorizontina, a poucos quilômetros do centro urbano, proferem frases como:
“vou à cidade fazer compras”; “peguei uma lotação (um ônibus) para ir à
cidade”; “choveu na cidade, mas não aqui”.
Na arte musical, o termo
“cidade” pode representar um ente coletivizado, um grupo de pessoas instaladas
numa composição urbana. Como exemplo, tem-se o nome da banda “Cidade Negra” e
têm-se os versos “a cidade levemente flutuou” e “a cidade simplesmente me
odeia”, extraídos da música “Eu disse a ela”, performada pela banda Skank. Esse
termo pode, também, somente representar uma conformação urbana abstrata,
genérica. Como exemplo, tem-se o verso “as luzes da cidade acesa”, extraído da
música “Desculpe, mas eu vou chorar”, performada pela dupla Leandro e Leonardo.
Aos termos “urbano” e “campo”, verificam-se vinculações a culturas e modos de
vida. A letra da música “Música Urbana”, performada pela banda Capital Inicial,
abrange elementos que participam da cultura e do modo de vida urbano e a letra
da música “Casa no Campo”, performada pela cantora Elis Regina, abrange
elementos presentes na cultura e no modo de vida rural. Maricato (2005, p. 136)
emprega esses termos “cidade” e “campo” como antônimos.
Choay (1980, p. 18) afirma, em
vista de escritos gregos, que “a polis é primeiramente uma comunidade de
indivíduos antes de ser um espaço”. Essa autora, em estudos dedicados à
conformação de espaços e de cidades em países islâmicos, observa que na
“cultura urbana do Islã”, “tal como entre os antigos gregos, e de conformidade
com uma tradição fundada no Corão, (...) a cidade é, primeira e
fundamentalmente, uma comunidade, antes de ser um espaço localizado,
circunscrito e construído” (CHOAY, 1980, p. 22). O termo urbs é relativo
à “cidade” ou “vila circundada por muralhas” (DEJTIAR, 2018). Considero que o
termo urbs cuida das estruturas espaciais das comunidades representadas
pelo termo polis. Em linguajar raso e simplista, polis são as
pessoas e urbs são os edifícios e os lugares.
Choay (1980, p. 54-55) observa
que “o conceito de cidade enquanto objeto construído não existe antes do século
XV”, tendo permanecido restrito aos círculos eruditos até o século XVIII. Essa
autora pontua que “a entrada do termo (cidade) no domínio público” ocorre na
segunda metade desse século XVIII quando “o plano geométrico, até então o único
utilizado na figuração prática das fortificações militares, elimina
definitivamente o plano em perspectiva, e fornece da cidade uma representação
sem exagero, reduzida à objetividade da medida e da grandeza em superfície”.
Sugiro a leitura das
referências bibliográficas ora mencionadas, pois mais ricas que a compilação de
informações ora retratada. Concluo, brevemente, que o termo “cidade” é
comumente empregado tanto em referência à urbs, instalações físicas
urbanas, quanto em referência à polis, comunidade que habita essas
instalações.
Referências bibliográficas:
BELO HORIZONTE. Lei Municipal
nº 2613, de 24 de junho de 1976, que autoriza o Prefeito a doar área de terreno
à União para edificação do Quartel da 4ª Divisão de Exército e outras
instalações. Diário Oficial do Município, Poder Executivo, Belo
Horizonte, 25 jun. 1976.
CERDÀ, I.. Teoria
general de la urbanización, y aplicación de sus principios y doctrinas a la
reforma y ensanche de Barcelona. Imprenta Española, 1867.
CHOAY, F.. A regra e o
modelo: sobre a teoria da arquitectura e do urbanismo. 2 ed., 1980. Trad.
Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1985. 334 p. Título original
em francês: La règle et le modèle: sur la théorie de l’architecture et de
l’urbanisme.
CORRÊA, R. L.. O espaço
urbano. 1. Ed., 1989. São Paulo: Ática, 1989. 94 p.
DEJTIAR, F.. Etymology in
Architecture: Tracing the Language of Design to its Roots. ArchDaily.
2018. Trad. Ella Comberg, 2018. Disponível em < https://www.archdaily.com/898648/etymology-in-architecture-tracing-the-language-of-design-to-its-roots?ad_medium=gallery
>. Acesso em: 27/08/2022. ISSN 0719-8884.
JACOBS, J.. Morte e vida de grandes cidades. 1.
ed., 1961. Trad. Carlos S. M. Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 499 p.
Título original em inglês: The Death em
Life of Great Ameriacans Cities.
LEFEBVRE, H.. O Direito à
Cidade. 1 ed., 1968. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
143p. Título original em francês: Le Droit à la Ville.
MARICATO, E.. As Ideias Fora
do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único:
desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.
MONTE-MÓR, R. L. M.. A Relação
Urbano-Rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2., 2007, Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul. Anais...
Santa Cruz do Sul: UNISC, 2007. 26 p.
VILLAÇA, F. J. M.. Uma
contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. IN O
processo de urbanização no Brasil, São Paulo, SP, Ed. Universidade de São
Paulo, 1999.