14 – Percepções sobre a prática profissional da arquitetura e do urbanismo
Durante a prática profissional da arquitetura e do urbanismo, presenciei algumas verbalizações que eu gostaria de ter conhecido ainda durante os períodos de graduação. A seguir, comento brevemente 05 (cinco) percepções sobre a prática profissional:
1. “O projeto está pronto. Só falta desenhar”.
O desenvolvimento de projetos arquitetônicos abrange o estudo de ideias e a compatibilização de necessidades humanas com limitações/condições de ordens variadas: limitações climáticas, limitações financeiras, características histórico-culturais, limitações logísticas locais, etc.. Ainda que a organização de espaços possa ser mentalmente premeditada, essa organização fica aprimorada pela materialização através de desenhos, maquetes físicas, maquetes eletrônicas. Projetos arquitetônicos abrangem desenhos técnicos cuja elaboração, não raro, oportuniza a detecção de óbices e de ressalvas que, na esfera das ideias e dos pensamentos, podem ser de difícil percepção. Em certa ocasião, escutei de uma advogada algo como: “você não pensa para escrever, você escreve para pensar”. De fato, ações como escrever sobre ideias, desenhá-las, retratá-las mediante maquetes etc. permitem a refinamento dessas ideias. Não há “projeto pronto” sem desenhos, pois os desenhos não se prestam somente a retratar pensamentos conclusivos. Uma vez ilustrada, uma ideia fica passível de revisão, alteração e, mesmo, descarte. Desenhos ajudam a dar suporte processual ao desenvolvimento de ideias e pensamentos.
2. “O óbvio não é óbvio para todo mundo. O óbvio não é unanimidade”.
Popularmente, o termo “óbvio” se presta à qualificação do que é universal e facilmente reconhecido, do que é incontroverso. Estimo, porém, que não haja obviedade absoluta. Para uma criança, um mais um não é obviamente igual a dois. Na construção civil, não há obviedade absoluta. O preparo de argamassas não abrange procedimentos óbvios, mesmo que livres de controvérsias técnicas. “O mundo é grande e, nele, há muita gente”. Há respostas que, para alguns, são de intuição imediata, mas não são para outros. Verbalizar o que é aparentemente óbvio pode nivelar entendimentos e comunicações. Em certa ocasião, escutei de uma professora do curso de Arquitetura e Urbanismo algo como:
“Apresente a mesma pergunta a, ao menos, três pessoas e, após, construa a resposta pertinente”.
3. “Interesse público é diferente do interesse da Administração Pública”.
O interesse público é retratado, primordialmente, pelo teor de leis como a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade, o Código Florestal, planos diretores municipais, planos municipais de mobilidade urbana etc. O interesse da Administração Pública é retrato pelos atos administrativos praticados pelos agentes públicos. Em certa ocasião, percebi que as ações fiscais cumpridas por uma determinada autarquia seguiam critérios de prioridade definidos pela diretoria dessa autarquia. Especificamente, não eram alvos prioritários dessas ações fiscais os municípios administrados por partidos políticos afins à ascendência política dos diretores dessa autarquia. O interesse da Administração Pública, discretamente, se distinguiu do interesse público.
4. “A utilização de contratos de prestação de serviços indica a presença de algum profissionalismo e, presumivelmente, de alguma qualidade”.
Em certa ocasião, escutei de uma advogada algo como:
“Quem não sabe elaborar um contrato sobre o serviço que prestará não conhece realmente esse serviço. Quem não sabe elaborar um orçamento sobre o serviço que prestará não sabe ‘fazer o serviço’. Há pormenores que são relevantes ou dignos de discriminação e/ou citação em contratos”.
Acompanho essas afirmações. Definir criteriosa e consistentemente o preço de produtos e de prestações de serviços é uma habilidade necessária à longevidade profissional.
5. “Atitudes individualmente vantajosas podem nos conduzir a resultados coletivamente desvantajosos”.
Chang (2013, p. 235) pondera que, no âmbito dos mercados financeiros, “ações individualmente racionais podem conduzir a um resultado irracional coletivo”. Ainda que providências e/ou ações possam satisfazer individualmente necessidades mínimas, é necessário averiguar se são coletivamente livres de impactos perniciosos e/ou repercussões negativas. Providências e/ou ações individualmente racionais podem conduzir a resultados coletivamente inadequados. Redes de abastecimento de água, serviços de coleta domiciliar de resíduos sólidos e serviços de transporte coletivo exemplificam providências e/ou ações mais aptas para a satisfação, em âmbito coletivo, das necessidades mínimas e básicas que, respectivamente, o emprego de poços artesianos, a disposição de resíduos em tambores ou valas e o uso individual de veículos automotores privados.
Há práticas profissionais amplas e diversificadas nas quais muitas tarefas são cumpridas sem repetições. Há práticas que se limitam a nichos específicos em que poucas tarefas são repetidas inúmeras vezes. Há muitas nuances entre esses extremos. Em cada viés profissional, há aprendizados a serem vivenciados. Fica relevante, assim, buscarmos ser melhores hoje do que o fomos ontem.
Referências bibliográficas:
CHANG, H.. 23 coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo. São Paulo, SP: Pensamento-cultrix Ltda., 2013. 368 p.