11 - Os conformadores dos espaços urbanos.


Espaços urbanos são destinados a comportar vivências, socializações, atividades econômicas, lazeres etc.. Espaços urbanos não se formam naturalmente. Pelo contrário, são conformados intencionalmente por pessoas. Ao discorrer sobre o que é o espaço urbano, Corrêa (1989, p. 07) se refere a “uma grande cidade capitalista” na qual há um complexo conjunto de diferentes e justapostos usos da terra. Para esse autor, esse conjunto de usos representa “a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano”, abrangendo concentrações de “atividades comerciais, de serviços, de gestão, áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão”. Considero que o “espaço urbano” ao qual Corrêa (1989) se refere abarca tanto o “espaço urbanístico” quanto o “espaço (...) propriamente arquitetônico” distinguidos por Zevi (1984, p. 41). Em sentido convergente, considero que o "espaço urbano" abarca tanto o "objeto urbano" quanto o "espaço construído" citados por Choay (1985, p. 54).

Em sequência à afirmação de que “o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado, e que esta divisão articulada é a expressão espacial de processos sociais”, Corrêa (1989, p. 08) observa que o espaço urbano decorre de ações realizadas no presente e de ações realizadas no passado. Considerando que os “diferentes usos da terra” equivalem a diferentes formas espaciais (CORRÊA, 1989, p. 09), esse autor identifica os seguintes agentes sociais que produzem e consomem essas formas: “os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e; os grupos sociais excluídos”. Além dos “grandes industriais”, esse autor cita, também, os “grandes empresários comerciais” (CORRÊA, 1989, p. 13).

Villaça (1999, p. 179-180) identifica a ocorrência de ações e de discursos do Estado sobre o espaço urbano. Igualmente, Maricato (2000, p. 158) observa na cidade de São Luís, no Brasil, a ocorrência, durante a década de 1990, de “investimento estadual viário/imobiliário, viabilizando a exploração de glebas litorâneas pelo mercado imobiliário hegemônico”.

Lira (1997, p. 158-159) identifica a ocorrência de estudos espanhóis que reconheceram os proprietários de imóveis particulares como “os verdadeiros protagonistas do processo urbanístico”, pois, uma vez respeitadas mínimas determinações públicas de alinhamento, servidões ou relações de vizinhança, esses proprietários estavam livres para edificar ou não, parcelar glebas em lotes urbanos e aproveitar a propriedade de forma que lhes conviesse. Lira (ibidem) relata, especificamente, que técnicas urbanísticas, como “a técnica dos alinhamentos, a técnica das limitações da propriedade, a técnica das relações de vizinhança e das servidões urbanas”, implicavam “necessariamente certas decisões do poder público”, as quais se limitavam a encaminhamentos finais das faculdades privadas, “que eram substantivas no processo urbanizador”. É relatado, em sequência, que a Administração pública, ao correr do tempo, alargou e acentuou participações no processo urbanístico. Destaco que a implantação de boulevares em Paris durante o século XIX exemplifica a ação do Estado sobre o espaço urbano.

Choay (1985, p. 2) pontua que a religião e seus simpatizantes participaram significativamente do ordenamento dos espaços humanos. Observo que, em certas culturas, a instituição religiosa se confundia ou se entrelaçava com o Estado, sendo, também, um saliente proprietário fundiário.

Durante o curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, escutei frases que, em paráfrase simples, diziam: “o(a) arquiteto(a), no final, projeta(m) para que sejam cumpridas exigências legais e sejam atendidos os pedidos do(a)s clientes, vindo por último o que ele(a) gostaria de projetar ou o que ele(a) considera tecnicamente relevante e/ou louvável”. Corrêa (1989, p. 20) pontua que os promotores imobiliários são agentes que, dentre outras ações, fomentam estudos técnicos realizados “por economistas e arquitetos, visando verificar a viabilidade técnica da obra dentro de parâmetros definidos anteriormente pelo incorporador e à luz do código de obras”. Entendo que arquitetos(as)-urbanistas podem ser empregados(as) em indústrias, redes comerciais ou instituições religiosas; podem atuar como promotores imobiliários; podem trabalhar, enquanto proprietários(as) fundiários(as), para si próprios(as); podem integrar o corpo técnico de entes da Administração pública; e podem dar suporte aos que Corrêa (1989, p. 12) denomina “grupos sociais excluídos”.

O espaço urbano é conformado por mais de um agente social. Não há atuações isoladas, mas, articuladas, desarticuladas, alternadas, complementares, convergentes, conflitantes, divergentes, sobrepostas, em conjunto. Até o plantio de mudas de árvores em calçadas, praças e canteiros centrais de avenidas representa uma ação conformadora de espaços urbanos. Não é necessário ser proprietário de meios de produção, ser um proprietário fundiário nem ser um promotor imobiliário para, de alguma maneira, agir na conformação dos espaços urbanos. Não é necessário representar formalmente o Estado. Independentemente de integrar “grupos sociais excluídos”, pessoas agem sobre o espaço urbano quando não o sujam nem o depredam, quando não estacionam carros sobre calçadas nas imediações de escolas, quando promovem o trânsito veicular seguro para pedestres, ciclistas e demais motoristas, quando não escutam músicas em volume que incomodem vizinhos. Embora essas ações sejam eminentemente modeladoras de ambiências urbanas, elas contribuem, ainda que indiretamente, para a conformação de espaços urbanos.


Referências bibliográficas:

CHOAY, F.. A regra e o modelo: sobre a teoria da arquitectura e do urbanismo. 2 ed., 1980. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1985. 334 p. Título original em francês: La règle et le modèle: sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme.

CORRÊA, R. L.. O espaço urbano. São Paulo, SP: Ática, 1989. 64 p.

LIRA, R. P.. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro, RJ. Renovar, 1997. 400p.

MARICATO, E.. As Ideias Fora do Lugar e o Lugar fora das Ideias. IN A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos, Petrópolis, RJ, Ed. Vozes, 2000.

VILLAÇA, F. J. M.. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. IN O processo de urbanização no Brasil, São Paulo, SP, Ed. Universidade de São Paulo, 1999.

ZEVI, B.. Saber ver a arquitetura. 1. ed., 1984. Trad. Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de Oliveira. 6. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2009. 286 p. Título original em italiano: Saper Vedere L’architettura.


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